Ana Dubeux
Ana Viriato
Marcada por 30 anos com as cores azul e amarelo no peito, a ex-governadora Maria de Lourdes Abadia prepara-se para a despedida do ninho tucano. Fundadora do PSDB no Distrito Federal, ela assina amanhã a filiação ao PSB, do governador Rodrigo Rollemberg. A ex-deputada federal justifica o desembarque com o descontentamento causado pelo formato de gestão do presidente regional do tucanato e pré-candidato ao Buriti, o deputado federal Izalci Lucas, que ameaçou expulsá-la da agremiação e com quem colecionou embates nos últimos meses. “Vai ser o Império do Izalci”, lamenta.
A carta com o pedido de desfiliação do PSDB será entregue hoje ao comandante nacional da sigla, o presidenciável Geraldo Alckmin. No texto, Abadia elenca agradecimentos aos correligionários, narra seus feitos pela legenda e alfineta Izalci. “Depois de tantos anos de luta e participação na história do partido, assistimos à intolerância, à vaidade e à arrogância do atual presidente, deputado Izalci Lucas, que não dá espaço para o diálogo, o entendimento e participação na vida partidária”.
Na visão da parlamentar, que participou da Constituinte, faltou pulso firme do alto escalão para garantir a escolha da Executiva local de forma democrática — não há eleições no PSDB-DF desde 2011 e o mandato provisório de Izalci acaba de ser renovado por 120 dias.
Logo após a filiação ao PSB, Abadia entregará o cargo de Secretaria de Assuntos Estratégicos do DF, uma vez que a lei eleitoral determina a desincompatibilização a seis meses do pleito. O governador Rollemberg considera encaixá-la na chapa como vice; a preferência dela, contudo, é pelo mandato de deputada federal. A candidatura será definida com base nas alianças consolidadas até julho, quando começam as convenções partidárias.
Por que, depois de 30 anos, a senhora está saindo do PSDB?
Estou saindo do PSDB porque não concordo com a forma de dirigir o partido do deputado Izalci Lucas (presidente regional provisório). Não há espaço para o entendimento, nem para discutir o partido. Então eu me sinto isolada. Eu e um grupo muito grande. E outra coisa: fui surpreendida com aquele encaminhamento para a Comissão de Ética do partido, com pessoas que nunca nem vi no partido, que integram o conselho, pedindo a minha expulsão pelo fato de estar no governo de Rollemberg, sendo que o PSDB apoiou o governador no segundo turno. Não fiz isso sem anuência da Executiva Nacional. Então, estou com esse processo de expulsão e acho que não o mereço. Não aceito ser expulsa do partido. Eu me adiantei e não concordo com a forma autoritária de governar e administrar a legenda. Achei melhor sair.
Vai compor a chapa do governador Rodrigo Rollemberg (PSB)?
Eu vou me filiar ao PSB. Agora, com relação à minha participação na política, isso vai ficar mais para a frente. Temos até julho para ver.
Essa decisão aconteceu depois de conversa hoje (ontem) com o governador Rollemberg ou sabia disso antes?
Vínhamos conversando e analisando minha situação no partido. Principalmente, esse isolamento que eu sentia. O PSDB, hoje, é composto pelo gabinete de Izalci e pelos amigos dele. Quer dizer, ele fez a Executiva, o Diretório e os delegados todos. Então ele tem todos os votos. Não discute o partido e não tem a preocupação de ouvir a militância. Ou seja, é totalmente diferente do que foi o PSDB.
Qual a consequência da sua saída?
É natural que as pessoas que não estão contentes com o partido busquem outros. O que vai acontecer é que Izalci será o imperador do PSDB em Brasília.
O Izalci está levando o PSDB para o suicídio ao limitar o número de votos dos pré-candidatos a distrital e insistir tanto na campanha ao Buriti?
A meu ver, isso não é política. São coisas incríveis, que nunca vi. Quem tem muitos votos não pode se candidatar. O presidente promete não dar nominata para um deputado distrital do partido (Robério Negreiros); ameaça expulsar uma das fundadoras da sigla, pela qual sempre batalhei. Ele não faz política. Confesso que não entendo. Uma reunião do partido, hoje, consiste em cantar os parabéns para aniversariantes do mês e no relatório das atividades parlamentares dele na Câmara.
A senhora lidera uma grande ala do PSDB. Esses correligionários vão acompanhá-la?
Eles sabem da minha insatisfação. Mas, amanhã, farei uma reunião com esse grupo, que também tem outros fundadores, para comunicá-lo.
Essa decisão tem volta?
Confesso que eu estava redigindo essa carta e lágrimas caíram. É isso que coloquei: você participou do nascimento de uma esperança, de um partido novo, com pessoas como Fernando Henrique, Franco Montoro, Covas, Serra, Aécio… Gente de todos os estados. Convivemos na Constituinte. Tivemos vitórias. Na primeira eleição para presidente, o partido elegeu Fernando Henrique no primeiro turno. É muito sangue, muito suor nas ruas. Muita luta com a bandeira na mão e o tucano no peito. É triste você sair por uma pessoa que já entrou e saiu do partido umas duas ou três vezes. Uma pessoa que não tem compromisso: é ele, ele e ele.
Mas a decisão tem volta ou não?
Não. Porque pensei muito, chorei muito. Dizem que a mágoa é um lixo que as pessoas deixam no coração da gente. E eu não quero permanecer com esse lixo no meu coração. O fato de eles prorrogarem por mais 120 dias o mandato do Izalci, sem eleição, foi uma resposta de que o importante é Izalci. A gente não tem importância nenhuma no partido. Eu e meu grupo nos sentimos assim.
Da forma que o Izalci conduz as articulações, realmente será candidato e vencerá?
Tudo é possível em campanha. Ele já se considera eleito. Ele é o presidente, é o candidato e já fala como governador. Vamos ver, em outubro, se ele realmente vai ocupar o Buriti.
Além do MDB, alguma outra legenda tentou levá-la?
Houve consultas, do tipo: “Vem cá… Você não quer vir para o partido?!”. Porque, graças a Deus, e vocês têm acompanhado, eu trabalhei com todos os governadores de Brasília, menos Arruda e Agnelo. E aprendi com todos. E nunca destruí pontes por onde passei. Tenho amizade com dirigentes do DEM, com o pessoal do MDB… Tenho amizade até mesmo com PT, de quando apoiei Cristovam. Então, tenho a respeitabilidade dos partidos. Converso com todos. Nunca fiz campanha atacando pessoas. Sempre fiz campanha mostrando o que posso fazer.
Por que a escolha pelo PSB?
Tenho uma história com o Rollemberg, apesar de compormos partidos diferentes. Por exemplo, quando fui secretária de Turismo, apresentei para Cristovam o projeto Orla, o Plano de Desenvolvimento do Turismo do DF… E, quando saí, Rollemberg entrou. Ele executou quase todos os projetos que eu havia deixado. E, nas campanhas, nós sempre nos respeitamos. Com o convite agora (para a Secretaria de Assuntos Estratégicos), em que tive a anuência do presidente Nacional para estar no governo, gostei muito de trabalhar diretamente com ele. Primeiro, porque ele confia no meu trabalho. Segundo, porque ele me deu carta branca. Ele está fazendo um bom trabalho. Se você analisar, são muito poucos os governadores que não atrasaram salários de servidores. A Brasília que ele recebeu do Agnelo estava cheia de dívidas. Ele está num esforço tremendo, gigante, para arrumar a casa, como ele tem dito. É uma pessoa que tem compromisso com o futuro da cidade.
A senhora sempre teve o apoio do Virgílio Neto e do Robério Negreiros, que também estão insatisfeitos com a gestão do Izalci. Eles vão sair do partido?
Não falei com Robério, porque viajei e não o vi. Sei da briga que ele está enfrentando com o Izalci, que disse que ele não terá legenda para disputar. Robério disse que não ia sair do partido e ia atrás da Nacional para garantir a legenda. Virgílio já está sabendo, também vai deixar o PSDB para se filiar ao PSB.
De que tamanho fica o PSDB com a sua saída?
Fica ótimo. Vai ser o Império do Izalci.
A campanha do Alckmin sofre um golpe no Distrito Federal?
Eu tenho o maior carinho e apreço pelo Alckmin. Estou sofrida de ter de sair do partido. Mas é aquilo: acho que estou sentindo a mesma coisa que o neto do Covas, que também está saindo do partido. Quer dizer, o ideário do PSDB está sentindo a crise em vários estados. Justamente porque entram pessoas interesseiras, que não têm compromisso com a sigla, com o símbolo do partido. Já tivemos campanhas que não usavam nem o azul e amarelo. Sinto que o PSDB está perdendo a unidade, o entusiasmo. Os tempos mudam, as pessoas mudam. O Rollemberg foi muito delicado comigo. Disse: “Abadia, você nunca deixou de participar de nenhuma eleição desde a primeira de Brasília”. As pessoas estão cobrando. Na rua, as pessoas me perguntam: “Você vai sair a quê agora?”. Eu tenho mesmo um compromisso. Tenho tudo para fazer outras coisas. Mas isso é uma paixão. Você precisa ver, nas comunidades mais pobres, as pessoas falando: “Abadia, que coisa boa que você veio cuidar da gente”. Quer dizer, isso me emociona. É melhor que ficar sem fazer nada. Agora, nos 30 anos da Constituinte, conversamos com os homenageados. E comentamos que estava na hora de retornarmos às atividades, porque parimos essa Constituição. Temos responsabilidade de fazer valer o que criamos.
Faltou pulso firme da Nacional para organizar a casa no DF?
Acho que sim. Estivemos com o Alckmin e colocamos a situação. Ele prometeu olhar por Brasília e nos garantiu que iria ter eleição. Já havia vencido o prazo de Izalci. Daqui a pouco, vemos nos jornais que aumentaram o mandato por mais 120 dias e não marcou a eleição. Algumas lideranças disseram: “Vocês têm de conversar com Alckmin sobre isso”. Houve uma revolta muito grande da militância. Mas eu disse: “Olha, eu não vou, porque acho que isso foi uma resposta que ele deu”. O Izalci é mais importante, é a bola da vez. Ele deu essa resposta. Quem quiser entender que entenda. Eles fizeram a escolha deles. Então, Izalci que comande o partido e faça o que ele quiser.
Nesses 30 anos, esse foi seu momento mais difícil na política?
Sim. Deixar o ninho não é fácil. Contei para uma amiga e ela disse: “Não fique triste, não. Pelo menos, você trocou o tucano por outro passarinho”.
A senhora acha que uma aliança entre PSB e PSDB está descartada?
Não. Quantas alianças são feitas às 23h45, quando o prazo é à meia noite?! Tudo é possível. A campanha para deputada federal será forte, pesada e complexa, o que indica que, talvez, seu caminho seja mesmo a chapa majoritária com o governador. Qual é a maior possibilidade? Já ganhei e perdi muitas. Faz parte do processo democrático. A vez em que perdi para governadora, tive quase 350 mil votos. O importante é a luta, você se colocar à disposição da cidade.
Mas o que é mais provável?
Isso é uma decisão mais a cargo do governador. Mas eu prefiro ir para uma proporcional. Eu estou recebendo muitas sugestões de candidaturas. Mas isso só vamos fechar lá para maio ou junho. Agora, realmente, o que as pessoas têm me incentivado é para deputada federal. Várias pessoas me chamam até hoje de deputada federal. Trabalhamos muito à época, conseguimos muitos recursos para Brasília. Então, depende do partido e das alianças, mas minha maior vontade é ser deputada.
A senhora considera altas as chances de reeleição de Rollemberg?
Quem define isso é o povo. As pessoas ficam falando coisas antes das eleições. O Rodrigo era o quarto colocado nas eleições passadas. Na hora que começar o debate, acho que ele tem todas as chances e possibilidades. Tantas coisas vão acontecer nestas campanhas. O bonito é que quem decide é o povo.
O Alckmin tem chances?
Acho que sim. O Alckmin é uma pessoa muito valorosa para São Paulo, para o Brasil e para o partido.
Como fica seu coração no caso de o PSB lançar uma candidatura própria a presidente e, do outro lado, estiver o PSDB, com o Alckmin?
Seguramente, ficará dividido. Toda a perda é doída. Vou ter até de me policiar para não errar na hora de pedir o voto. Mas temos de ser leais ao partido. Não dá para estar com um pé aqui e outro ali.
O PT e o PSDB sempre foram rivais a nível nacional. Como a senhora avalia essa disputa hoje, com Lula prestes a ser preso?
O que vemos é o Lula candidato. Mas tudo é muito incerto. Essa campanha será de vaca desconhecer bezerro. Será um Deus nos acuda. Imagine: Bolsonaro de um lado e PT do outro. A candidatura do Alckmin equilibra um pouco, pela experiência que tem de gestão e no Congresso. Mas é aquilo: terão outros também.
Vai escrever um livro sobre o PSDB?
Vou. Já comecei. Há muito tempo me foi pedido. Vou registrar a história do partido em cada estado. Como foi a discussão das cores, do símbolo, da bandeira, do estatuto… Ficávamos até duas ou três da madrugada no auditório da Câmara discutindo. É uma história muito bonita. Mas quantos já saíram, não é mesmo? Desse grupo, não tem mais ninguém. Fiquei para apagar a luz.
A senhora vai indicar o próximo titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos?
Isso ainda não foi discutido. Mas foi uma experiência muito legal. A equipe é super competente.