Crédito: Andre Violatti/Esp.CB/D.A Press. Brasil

Para Arthur Trindade, governo Rollemberg abandonou política de segurança pública

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ANA MARIA CAMPOS

O 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que será lançado nesta quinta-feira (03/11) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indica que, somente no ano passado, 58.383 brasileiros foram assassinados em nosso país. Morre mais gente no Brasil do que na Síria, por exemplo, que enfrenta uma guerra, com bombardeiros constantes. No caso do Distrito Federal, no entanto, houve uma redução de 13% no número de homicídios em 2015, em relação a 2014.

Para o ex-secretário de Segurança Pública e Paz Social Arthur Trindade, o mérito se deve ao trabalho de investigação e inteligência realizado pela Polícia Civil em 2015. Ele diz que havia foco e coordenação, coisa que não existe mais. Um ano depois de deixar o cargo, Trindade acredita que o governo Rollemberg abandonou a política de segurança. “Hoje a situação é mais preocupante, pois além de não termos uma política de segurança, há um clima de animosidade entre as polícias”, afirma.

Arthur Trindade pediu exoneração em 5 de novembro do ano passado, depois de um embate com o então comandante-geral da Polícia Militar do DF, Coronel Florisvaldo César. Hoje, o sociólogo, especialista em segurança pública, diz que o descontentamento é geral, inclusive dentro da Polícia Militar. Motivo apontado pelo ex-secretário: o governador Rodrigo Rollemberg privilegia o grupo comandado pelo chefe da Casa Militar, Coronel Cláudio Ribas. “No contexto local, os policiais civis se sentem, com certa razão, desprestigiados pelo governo”, afirma. “Mas a questão é mais complexa. Mesmo na PM há descontentes”, acrescenta.

Veja entrevista que Arthur Trindade concedeu ao Correio Braziliense:

Num comparativo internacional, morre mais gente no Brasil do que na Síria, que está conflagrada por uma guerra. No Distrito Federal, no entanto, houve em 2015, na sua gestão como secretário de Segurança Pública do DF, uma redução no número de mortes de 13% em relação ao ano anterior. A que se deve isso?
Apesar dos números assustadores, o DF registrou a segunda maior queda de homicídios do Brasil em 2015, perdendo apenas para Alagoas. Esse resultado se deu, principalmente, por causa do trabalho de investigação e inteligência realizado pela Polícia Civil do DF, coibindo a atuação de gangues. É importante lembrar que 5 regiões administrativas concentram mais de 52% dos homicídios. Portanto, precisamos focar as ações.

Esses avanços na redução do número de homicídios se repetem em 2016?
Infelizmente, este desempenho não será repetido. Até outubro, os homicídios caíram menos de 1% em relação a 2015.

A política de segurança pública que começou a ser adotada na sua gestão permanece ou foi esquecida?
A política adotada em 2015 foi abandonada. A maior parte da equipe já saiu da Secretaria de Segurança. Iniciativas como a Câmara Técnica de Homicídios e o policiamento orientado para solução de problemas foram interrompidas. Outras como a reestruturação da CHPP (Coordenação de Homicídios e Proteção à Pessoa) e a implantação do policiamento comunitário, planejadas para 2016, sequer foram iniciadas. Até a divulgação mensal dos dados criminais foi suspensa.

A que se deve essa crise na segurança pública do DF?
O DF tem o maior efetivo per capta de policiais do Brasil. Também temos o maior orçamento proporcional. O número de policias por habitantes é o mesmo de Nova York e Chicago. Há poucos casos de corrupção e as polícias gozam da confiança da população. Apesar disso, os resultados são pífios. A taxa de homicídios e a percepção de insegurança seguem altas. Tudo isso porque não temos algo que mereça o nome de Política de Segurança Pública. O governo precisa ter coragem para enfrentar os interesses corporativos.

Como falar em integração entre forças policiais com o claro embate entre policiais civis e militares no DF?
Antes de falar em coordenação e articulação de ações, é necessário elaborar uma política de segurança, com objetivos claros e metas coerentes. Quando não há uma política que oriente as ações, as polícias agem por conta própria, aumentando a probabilidade de atritos. Hoje a situação é mais preocupante, pois além de não termos uma política de segurança, há um clima de animosidade entre as polícias.

O Distrito Federal enfrenta uma crise na segurança pública, com policiais civis em sucessivas paralisações em reivindicação pela paridade de salários com a Polícia Federal. Como resolver esse problema, já que o governo Rollemberg diz que não tem dinheiro para pagar o reajuste?
É preciso contextualizar. Todas as polícias civis brasileiras estão passando por uma grande crise de identidade. A maioria dos policiais civis dedica-se a trabalhos cartoriais e administrativos. Alguns grupos resistem a abrir mão do Termo Circunstanciado, que aliviaria efetivos para serem empregados nas atividades de investigação e inteligência. Essa visão bacharelesca causa enorme frustração. No contexto local, os policiais civis se sentem, com certa razão, desprestigiados pelo governo. Assim, a questão salarial que poderia ser resolvida por escalonamento, se tornou uma questão moral que uniu todos os grupos da Polícia Civil do DF

Você deixou o governo de Rollemberg num embate com coronéis da Polícia Militar. Acha que o governador privilegia a PM em detrimento das outras forças de segurança?
É essa a impressão que o governo passa quando só concede aumento aos policiais militares. Mas a questão é mais complexa. Mesmo na PM há descontentes, pois as promoções de praças ainda estão travadas e o novo plano de carreira foi esquecido. Há também oficiais desmotivados por se sentirem preteridos. No fundo, o governador tem privilegiado um pequeno grupo de coronéis liderados pelo chefe da Casa Militar.

Na semana passada, o governador Rodrigo Rollemberg fez uma “sondagem” ao ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro José Mariano Beltrame para o lugar de Márcia de Alencar. Seria uma boa ideia?
Beltrame é um dos melhores quadros da segurança pública no Brasil. Ele alia experiência, seriedade e capacidade de gestão. Mas é importante lembrar que cada cidade tem suas especificidades. As soluções pensadas para o Rio de Janeiro ou Pernambuco não respondem aos problemas do DF. Elas podem ser adaptadas, mas nunca copiadas.

O DF precisa de um secretário ou secretária de Segurança Pública com qual perfil?
O DF precisa de um (ou uma) secretário empoderado, capaz de elaborar e implantar uma política. Pode ser um policial, um bombeiro, alguém da área jurídica ou acadêmica. Temos excelentes nomes nestas áreas. O problema não é de perfil, mas sim de estrutura.