Nas entrelinhas: Reforma e conciliação no governo Lula

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Marina Silva revelou muita serenidade ao lidar com as derrotas das agendas ambiental e indígena na Câmara, imposta pela maioria conservadora articulada por Arthur Lira”

O livro Conciliação e reforma no Brasil, um desafio histórico político (Editora Civilização Brasileira), de José Honório Rodrigues, foi escrito logo após o golpe militar de 1964, que destituiu o presidente João Goulart. Por mais que o tempo tenha passado, aquele momento da história do Brasil transcende as conjunturas, pois o regime militar durou 20 anos. Também serve de advertência: em 8 de janeiro, presenciamos uma tentativa de golpe de Estado contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como outras que antecederam àquela ruptura, há quase seis décadas.

As reformas no Brasil foram promovidas pela via do autoritarismo ou da conciliação, o que resultou na nossa modernização conservadora, que perpetuou as desigualdades e exclusão sociais, uma “revolução passiva”, como conceituou o cientista político Luiz Werneck Vianna. O poder de cooptação das reformas conservadoras é maior do que a mobilização necessária para a efetivação de mudanças sociais. O atraso político, o patrimonialismo e o fisiologismo são nós difíceis de desatar. Todos os governos progressistas se depararam com essa contradição, alguns tendo mais sucesso que outros, como os de Juscelino Kubitschek (1950-1960), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Colapsaram os de Getúlio Vargas (1950-1954), que se matou; João Goulart, que foi deposto; e Dilma Rousseff, apeada do poder no segundo mandato, por um impeachment.

A singularidade da obra de José Honório Rodrigues é a crítica à “política de conciliação”, cuja gênese foi o Gabinete do Marques do Paraná, no Império. Dom Pedro II era responsável por determinar quais seriam os ministros que formariam o Conselho de Ministros, porém implantou um sistema parlamentarista no qual escolhia o presidente do Conselho de Ministros e esse, por sua vez, indicava os demais ministros. Honório Carneiro Leão construiu uma “ponte de ouro”, no dizer de José Tomás Nabuco de Araújo, do Partido Conservador, que foi ministro da Justiça, senador e conselheiro de Estado do Império, em discurso antológico, ao anunciar que participaria do gabinete de maioria liberal, mas permaneceria em oposição ao governo de Pernambuco, onde perdera a eleição.

Essa história está muito bem contada por Joaquim Nabuco, ao escrever a biografia de seu pai, Um estadista no Império (Edições Câmara dos Deputados). Obra de referência, era recomendada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso aos tucanos e a aliados contrariados pela aliança do PSDB com os caciques do PFL Marco Maciel, seu vice, Antônio Carlos Magalhães, José Agripino e Jorge Bornhausen, entre outros. O falecido deputado Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA) foi o principal interlocutor de FHC na Câmara. Sem essa aliança, o Plano Real e as privatizações teriam fracassado.

Crítica ao populismo

Honório Rodrigues mostrou o outro lado da política de conciliação. Discípulo de Capistrano de Abreu, o primeiro a valorizar a importância do “povo capado e recapado, sangrado e ressangrado” na formação histórica do Brasil, faleceu em abril de 1987, aos 73 anos de idade. Era liberal democrata de formação anglo-saxã, para quem a concentração do poder político nas mãos de grupos conservadores impediu o progresso do país durante séculos.

Para ele, as lutas pela independência poderiam fundar as bases nacionais em terreno popular e liberal, mas foram derrotadas. A Independência não significou uma ruptura, mas a continuidade da ordem privilegiada das elites escravocratas da época. Em 1822, nas décadas de 1830 e 1840, em 1889, 1930, 1945, 1961 e 1964 deu-se o mesmo. “Os poderes dominantes tiveram sempre força para conter as aspirações profundas de mudança e reverter os movimentos de modo a sustentar seu sistema e seus privilégios”, diagnosticou, num dos ensaios da coletânea, intitulado “Teses e antíteses da História do Brasil”.

Honório considerava o populismo “uma espécie de primitivismo político (…), um instrumento de agitação irresponsável, de meio desordenado de degradação da política e dos políticos”. Dizia que foi um entrave ao crescimento ordenado e eficiente nas décadas de 1950 e 1960: “A campanha de luta e agitação (…) desgastou o progressismo que se vinha formando e criou barreiras intransponíveis (…). Não uniu, dividiu”.

Nesta quinta-feira, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, revelou serenidade ao lidar com as derrotas das agendas ambiental e indígena na Câmara, que desnuda o caráter conservador da base parlamentar comandada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). “A democracia é ameaçada, assim como as políticas de meio ambiente, direitos humanos”, disse a ministra. “A melhor coisa que a gente faz é resistir”, completou. A política ambiental é estratégica para a nova economia. Sem ela, o governo Lula perde a agenda da verdadeira modernização e se torna prisioneiro do atraso social.