Mesmo com os tiros da Lava-Jato zunindo no Palácio do Planalto, porém, não houve alteração na correlação de forças no Senado quanto ao impeachment
A delação premiada do ex-presidente da Petrobras Sérgio Machado, que serviu de base para os pedidos de prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), do senador Romero Jucá (PMDB-RR), do ex-presidente José Sarney (já recusados pelo ministro-relator da Operação Lava-Jato, Teori Zavascki) e do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que deve ser julgado amanhã pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mudou o eixo das investigações da Operação Lava-Jato. O foco deixou de ser o esquema de propina comandado pelo PT no governo Dilma, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus aliados, para ser o governo do presidente interino Michel Temer, a cúpula do PMDB e os partidos da antiga oposição.
Essa mudança provoca toda sorte de especulações políticas, mas é um fato. Decorre de as investigações terem avançado mais rapidamente no âmbito da força-tarefa de Curitiba, sob comando do juiz federal Sérgio Moro, que destrinchou o cluster formado por executivos da Petrobras, doleiros, lobistas, executivos de empreiteiras, políticos sem mandato e o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. E em razão de o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encarregado de investigar ministros, governadores e parlamentares com direito a foro privilegiado, ter direcionado sua atuação à cúpula do Congresso, em particular aos caciques do PMDB.
As denúncias de Janot desestabilizam o governo provisório de Temer e dificultam o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que não pode ser investigada, embora seja citada em algumas delações, ouve-se nos bastidores do Palácio do Planalto e do Congresso. Na verdade, o que desgasta o novo governo são ministros envolvidos na Lava-Jato, como o ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que insistiu em permanecer no Turismo, mesmo sabendo que tinha contas ilegais na Suíça e corria o risco de ser denunciado. O suposto envolvimento do ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), ampliou a inquietação no governo e a tensão no Congresso.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, ameaça dar seguimento a um dos cinco pedidos de impeachment do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na próxima quarta-feira. Nove entre dez senadores são contra essa decisão, que seria uma atitude camicaze de Renan, mas ninguém sabe em que se baseiam os pedidos. Enquanto isso, a comissão especial que examina o impeachment do Senado sofre as consequências da chicana petista. O cronograma de trabalho previa que a presidente Dilma Rousseff fosse interrogada ontem, porém, como ainda restam mais de 20 testemunhas a serem ouvidas, essa etapa deve ir até o fim do mês. Pelo andar da carruagem, o impeachment somente em setembro será votado em plenário.
A tese do Ministério Público Federal de que as doações eleitorais legais são uma forma de lavagem de dinheiro desviado dos cofres públicos virou paradigma da Lava-Jato. Depois da delação premiada de Sérgio Machado, as investigações deslocaram-se do PT e do PP para o PMDB, o PSDB e o DEM. Tudo indica que a tese será endossada nas delações premiadas dos chefões do cartel de empreiteiras, Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro (OAS).
In dubio pro reo
Caberá ao ministro Teori Zavascki separar o joio do trigo, pois quem recebeu doação eleitoral dessas empresas e declarou à Justiça Eleitoral estará tão comprometido perante a opinião pública quanto os que receberam o dinheiro de caixa dois, seja aqui ou no exterior, para a campanha e/ou para formação de patrimônio pessoal, porque supostamente a origem da grana era a mesma: desvio de recursos públicos. Não existe in dubio pro reo. Enquanto não começar o julgamento da Lava-Jato pelo Supremo Tribunal Federal, todos os políticos que receberam doações legais das empreiteiras têm medo das delações premiadas. São suspeitos, até prova em contrário.
Mesmo com os tiros da Lava-Jato zunindo no Palácio do Planalto, porém, não houve alteração na correlação de forças no Senado quanto ao impeachment. Temer também vem conseguindo administrar os conflitos na sua base, como nas votações do Congresso e, ontem, nas negociações das dívidas dos estados com os governadores. Ninguém, porém, está a salvo de uma bala perdida.