Nas entrelinhas: A crise do establishment

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Na democracia, não há saída para as crises sem passar pelo Congresso. O impeachment, porém, avança como pau de enchente na comissão especial do Senado

A Operação Lava-Jato, com as delações premiadas, ameaça pôr em xeque todo o espectro político nacional, ao criminalizar todas as doações eleitorais das empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras aos partidos políticos. Não há liderança nacional que não tenha sido citada até agora, seja em delações premiadas, seja em listas apreendidas nos escritórios de empreiteiras e lobistas. Ontem, até o ex-governador Eduardo Campos, que faleceu tragicamente num acidente aéreo em Santos, no começo da campanha eleitoral de 2014, foi alvo de uma operação da força-tarefa do Ministério Público Federal. Sobrou para a ex-senadora Marina Silva, que o substituiu como candidata do PSB.

Com dezenas de senadores e mais de uma centena de deputados, além de governadores, ex-governadores, ministros e ex-ministros citados na Operação Lava-Jato, o establishment político nacional está sendo volatilizado pela crise ética. Reputações políticas estão sendo liquefeitas, seja pelas denúncias do Ministério Público, seja pela guerra midiática entre militantes a favor e contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

O Congresso nunca esteve tão acuado e desmoralizado: na Câmara, o presidente afastado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), esperneia, rumo à cassação pelos próprios pares. Sua situação se torna cada vez mais difícil no Supremo Tribunal Federal; no Senado, Renan Calheiros (PMDB-RJ), em colisão com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também foi emparedado pela Lava-Jato. Tem mais de 10 inquéritos e uma denúncia no STF.

A situação não é mais dramática porque o presidente interino, Michel Temer, vem dando demonstrações de que a política, apesar de tudo, é a arte das artes e a ciência das ciências. Embora citado em alguns depoimentos da Lava-Jato, até agora a acusação mais grave contra ele é a do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que o acusa de pedir dinheiro para a campanha do ex-deputado Gabriel Chalita à Prefeitura de São Paulo, em 2012, mas até agora não conseguiu provar o fato.

A proeza de Temer foi montar uma boa equipe econômica, sob o comando do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o que lhe garantiu credibilidade junto aos agentes econômicos, em que pese desgastes provocados por aumentos salariais concedidos aos servidores federais e, agora, pela rolagem da dívida dos estados. Sua capacidade de negociação com o Congresso e os governadores contrasta com a inapetência revelada pela presidente afastada, Dilma Rousseff, cuja volta ao poder se torna cada vez mais inimaginável, ainda mais diante da radicalização de seu discurso político.

Cenários
Na democracia, não há saída para as crises sem passar pelo Congresso. O impeachment, porém, avança como pau de enchente na comissão especial do Senado, se enrosca numa questão de ordem aqui, num recurso acolá e muito blablablá, sob a tutela do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandovski. O povo assiste bestificado o desfile das 40 testemunhas de defesa de Dilma. O PT, o PCdoB, o PDT e o PSol, partidos que defendem sua volta ao Palácio do Planalto, comandam o coro do “Fora, Temer!”, enquanto os “coxinhas” que protagonizaram o impeachment acompanham a chicana petista pela televisão. Camisas da seleção e bandeiras do Brasil estão no armário.

Há dois cenários possíveis: o primeiro é com a efetivação de Michel Temer na Presidência, fortalecido pelo fato de que seus adversários foram derrotados e os aliados inconvenientes estão ficando pelo caminho. O segundo é o caos, com Temer alvejado pela Operação Lava-Jato e seu governo desestabilizado pela ruína completa do establishment político. Essa é a aposta das forças contrárias ao impeachment. Com o presidente da Câmara afastado e o presidente do Senado no limbo, o próximo na linha sucessória é o presidente do STF, Ricardo Lewandowski.

Só há um precedente desse tipo na história do Brasil: a destituição de Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945, pelo ministro da Guerra, Goes Monteiro, e seu candidato a presidente da República, Eurico Gaspar Dutra. Assumiu a Presidência o ministro José Linhares, o sucessor direto pela Constituição de 1937, que manteve as eleições presidenciais de 2 de dezembro de 1945 e convocou uma Assembleia Nacional Constituinte.