Havia um golpe em marcha em 8 de janeiro de 2023, cujo objetivo era destituir Lula, prender Alexandre de Moraes e, possivelmente, tirar a então presidente do STF, ministra Rosa Weber, do comando da Corte
No livro Artes da política: diálogo com Amaral Peixoto, uma longa entrevista com um dos caciques do antigo PSD — que foi senador, governador eleito do antigo Estado do Rio e embaixador nos Estados Unidos — concedida a Aspásia Camargo, Lucia Hippolito e Maria Celina D’Araújo (Rio de Janeiro: Nova Fronteira/CPDOC-UFF, 1986), a velha raposa política conservadora explica de forma simples e clara a razão pela qual não apoiou o golpe de 1964: era “a morte da política”.
Na cúpula do PSD, seu aliado foi Tancredo Neves, porque o ex-presidente Juscelino Kubitschek e Ulysses Guimarães — que depois viria presidir o MDB e liderar a oposição ao regime dos generais —, àquela ocasião, apoiaram o golpe de Estado no qual os militares destituíram o presidente João Goulart. Ao longo de 20 anos de ditadura, gradativamente, os políticos liberais de todos os matizes derivaram para a oposição. Ao contrário da Revolução de 1930, os militares não delegaram o poder para os civis golpistas.
Havia um golpe em marcha em 8 de janeiro de 2023. O objetivo era destituir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, quiçá a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, que se aposentou no ano passado. Houve resistência ao golpe na cúpula do governo, liderada pelo presidente do PP, senador Ciro Nogueira (CE), e pelo ministro das Comunicações, Fabio Faria (PP-RN), com apoio do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira, que fora secretário-geral da Presidência da República. No grupo de militares palacianos, a única voz discordante era o então ministro de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha.
Embora aliados a Bolsonaro nas eleições, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), agiram como Amaral e Tancredo. Sabiam que a maioria dos políticos teria muito mais a perder com um golpe militar do que qualquer outro segmento da sociedade. Eis a lição aprendida com a quartelada de 1964: no frigir dos ovos, não foram apenas João Goulart, o líder comunista Luiz Carlos Prestes — que articulava a reeleição do presidente da República — e Leonel Brizola, que almejava seu lugar, que foram os derrotados. JK, que pretendia voltar ao poder nas eleições de 1965, e o governador carioca Carlos Lacerda, cujo sonho era ser presidente da República, acabaram cassados. Previstas para 1965, as eleições diretas para a Presidência da República só viriam a ocorrer em 1989.
Por que lembrar esses fatos agora? A história quase que se repetiu. A operação da Polícia Federal para apurar a suposta espionagem ilegal pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), durante o governo de Jair Bolsonaro, deve chegar ao núcleo golpista liderado pelo ex-presidente, do qual faziam parte militares de alta patente. Segue o fio da meada da delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.
Arapongagem
O ex-ajudante de ordens do ex-presidente conta, entre outras coisas, que o quebra-quebra bolsonarista na Praça dos Três Poderes tinha por objetivo, sim, provocar a convocação de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), pela qual os militares assumiriam o controle da capital da República. Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito, no STF, que investiga o 8 de janeiro, na decisão que autorizou a operação de busca e apreensão contra o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência Alexandre Ramagem, afirma que o atual deputado federal do PL — e candidato de Bolsonaro a prefeito do Rio de Janeiro — usou a Abin para fazer espionagem ilegal.
Além de obter e repassar informações à família de Bolsonaro, Ramagem teria bisbilhotado a vida de milhares de pessoas, entre elas a ex-deputada Joice Hasselmann, o ex-governador do Ceará e atual ministro da Educação Camilo Santana e o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia — além de ministros do STF, entre os quais Moraes.
“Os policiais federais destacados, sob a direção de Alexandre Ramagem, utilizaram das ferramentas e serviços da Abin para serviços e contrainteligência ilícitos e para interferir em diversas investigações da Polícia Federal”, afirma Moraes. A Abin teria atuado ilegalmente também na apuração sobre o caso das “rachadinhas” no gabinete de Flavio Bolsonaro, senador e filho do ex-presidente; na investigação sobre tráfico de influência contra Jair Renan Bolsonaro; nas ações de inteligência para descredibilizar as urnas eletrônicas; e no monitoramento de promotora do caso Marielle Franco.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, saiu em defesa de Ramagem, com a narrativa de que o Congresso não deveria tolerar a operação de busca e apreensão no gabinete do deputado nem na sua residência, sob o argumento de que o Congresso foi desrespeitado. Rodrigo Maia, então presidente da Câmara, ontem, disse que foi o contrário: quem atentou contra democracia foi o ex-chefe da Abin. Seria muita ingenuidade Pacheco e Lira saírem em defesa de Ramagem.
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