Nas entrelinhas: O sítio e o privilégio

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O foro por prerrogativa de função é como coração de mãe: beneficia deputados, senadores, ministros, chefes de missão diplomática, governadores, prefeitos, magistrados, conselheiros de tribunais de contas e procuradores

Nove entre dez advogados de Brasília avaliam que o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, está sendo emparedado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. É uma espécie de cerco e isolamento da Operação Lava-Jato. Seus desdobramentos podem ser progressivamente desmembrados e retirados da alçada da força-tarefa de Curitiba, cuja atuação ficaria restrita aos processos diretamente relacionados ao escândalo de Petrobras. O poder do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, também está sendo esvaziado pela maioria de seus colegas da Segunda Turma, também chamada de Jardim do Éden, onde quase sempre é derrotado pelos “garantistas”.

Ontem, Toffoli foi sorteado relator do pedido para retirar da Justiça Federal do Paraná o processo ao qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva responde por causa de um sítio em Atibaia (SP). O petista é acusado de receber o imóvel e obras de melhoria na propriedade como propina de empreiteiras por contratos na Petrobras. O laudo da perícia feita pela Polícia Federal, porém, reúne provas ainda mais robustas do que as do caso do tríplex de Guarujá, pelo qual o ex-presidente da República está preso na Polícia Federal em Curitiba, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a 12 anos e 1 mês em regime fechado.

Lula nega as acusações. O pedido de seus advogados será apreciado por Toffoli, que já tem um antecedente de revisão de decisões tomadas por Fachin (no caso do ex-prefeito Paulo Maluf, que recebeu um habeas corpus humanitário). Como relator do pedido, Toffoli poderá decidir monocraticamente, a pedido da defesa, ou remeter o caso para a Segunda Turma, que recentemente determinou que as provas relativas à delação premiada da Odebrecht no caso do sítio de Atibaia fossem remetidas por Moro para a Justiça Federal de São Paulo. A tese dos advogados de Lula é de que Moro não seria o juiz natural, e sim, um” juiz de exceção”, porque o caso do sítio de Atibaia não teria relação direta com a Petrobras. A interpretação da força-tarefa da Lava-Jato é contrária, ou seja, de que há ligação com o escândalo da estatal e que a decisão da Segunda Turma não retira o processo da alçada de Moro.

Toffoli foi autor do voto vencedor no julgamento que decidiu, na semana passada, enviar para a Justiça Federal de São Paulo os trechos das delações premiadas de ex-executivos da Odebrecht sobre o sítio e sobre suspeitas de irregularidades na instalação do Instituto Lula. A defesa de Lula requereu uma liminar para suspender o processo do sítio até que o STF decida se a ação penal deve ou não ser remetida para São Paulo, assim como foram enviados os depoimentos da Odebrecht. A condenação de Lula por Moro no caso do sítio é dada como quase inexorável, razão pela qual os advogados querem anular o processo com o argumento de que tanto as provas como o próprio julgamento seriam ilegais.

Prerrogativas

Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir o julgamento sobre a restrição do foro privilegiado de deputados e senadores. Dez dos 11 ministros já votaram a favor, mas com entendimento diferente sobre seu alcance: sete são a favor de retirar do Supremo casos cometidos fora do mandato e também aqueles não ligados ao exercício do mandato parlamentar, tese defendida pelo ministro Luís Roberto Barroso; três ministros votaram na proposta do ministro Alexandre de Moraes, de manter no STF todos os processos de crimes cometidos durante o mandato, independentemente da relação com a atividade parlamentar.

O foro por prerrogativa de função, o chamado “foro privilegiado”, é como coração de mãe para a elite política e a alta burocracia do país: beneficia 513 deputados, 81 senadores, 28 ministros, 139 chefes de missão diplomática, 27 governadores, 5.570 prefeitos, 14.882 juízes, 2.381 desembargadores, 476 conselheiros de tribunais de contas e 13.076 integrantes do Ministério Público.

Somente o ministro Gilmar Mendes ainda não votou. O julgamento começou no ano passado, foi interrompido em maio e em novembro, sendo retomado ontem. A proposta de Barroso estabelece que o processo não mudará mais de instância quando alcançar o final da instrução processual, a última fase antes do julgamento, na qual as partes apresentam as alegações finais. Nesse caso, o político que responder a processo no Supremo por ter cometido o crime no cargo e em razão dele deixará automaticamente o mandato após a instrução e será julgado pela própria Corte, para não atrasar o processo com o envio à primeira instância. Mendes destacou que o assunto não pode ficar restrito aos parlamentares, teria que alcançar também os demais beneficiados. Seu voto será longo.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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