Nas entrelinhas: O regresso

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O ministro Dias Toffoli liberou para julgamento a ação que discute restrição ao foro privilegiado no STF, o que pode jogar para a primeira instância os políticos envolvidos na Lava-jato

Uma das características negativas do processo eleitoral em curso — sim, porque as pré-campanhas já começaram — é o caráter regressivo da polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), cujos discursos parecem sair das páginas dos jornais dos anos 1960. Se fosse apenas nostalgia, como alguns imaginam, não haveria nenhum risco para a sociedade. Mas acontece que são projetos de poder que se contrapõem radicalmente, ambos de vieses nacionalista e populista, um à direita e outro à esquerda. Ambos anacrônicos em relação às necessidades de integração do Brasil ao mundo globalizado, cosmopolita e democrático, principalmente à revolução digital em curso, mas perfeitamente factíveis se olharmos para o que está acontecendo na política mundial.

Numa cena típica dos anos de Guerra Fria, um ex-espião da antiga KGB (que pode ter sido agente duplo do MI6, o serviço secreto britânico) e sua filha sofreram um atentado com o gás nervoso novichok na cidade de Salisbury, na Inglaterra, o que provocou a mais séria crise diplomática entre Rússia e Ocidente desde a anexação da Crimeia, em 2014. Em solidariedade ao governo britânico, que expulsou 22 diplomatas russos, EUA, Canadá, Austrália, 23 países europeus e a Otan (aliança militar ocidental) também determinaram a saída de diplomatas russos de suas dependências.

A reação do governo britânico levou a que esses países expulsassem mais de 140 diplomatas russos em 48 horas. Às vésperas da Copa do Mundo, a Rússia corre o risco de reviver a crise das Olimpíadas de Moscou, que foram boicotadas pelos Estados Unidos e mais 59 países aliados, por causa da invasão do Afeganistão pela antiga União Soviética (hoje, são os americanos e seus aliados que andam por lá). Ainda bem que o histriônico presidente norte-americano Donald Trump e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-Un resolveram conversar. E o recém-eleito Vladimir Putin, o novo czar russo, resolveu tirar por menos a crise diplomática. Recentemente, arreganhou os dentes ao anunciar novos misseis balísticos intercontinentais inteligentes, capazes de despistar as defesas da Otan. É o preço a pagar.

O cenário reflete uma disputa pelo controle do comércio mundial, cujo eixo deslocou-se do Atlântico para o Pacífico. No esforço de reformas que possibilitem a modernização da economia, os regimes autoritários da Ásia, liderados pela China e Cingapura, levam enorme vantagem em relação às potências tradicionais do Ocidente, onde a democracia representativa está em crise. A Rússia segue a mesma receita, enquanto França, Itália, Espanha, Inglaterra e Alemanha sofrem as consequências políticas do agravamento das desigualdades pela globalização. Em todos esse países, uma reação xenófoba alimenta a reação conservadora ao desemprego estrutural e à chegada de imigrantes do Norte da África e do Oriente Médio. O regresso não é um fenômeno isolado. Sua maior conquista foi a eleição de Trump. No Brasil, as eleições parecem não estar nem aí para esses problemas, como se nada tivessem a ver com o nosso futuro. Mas têm.

Judicialização

A judicialização da política também impressiona. Vejam as notícias de ontem: a família do relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, está ameaçada; a Segunda Turma do STF autorizou a prisão domiciliar do ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro Jorge Picciani; o ministro Dias Toffoli autorizou o ex-senador Demóstenes Torres a disputar as eleições para o Senado, suspendendo sua inelegibilidade; e. também liberou para julgamento a ação que discute restrição ao foro privilegiado na Corte, o que pode jogar para a primeira instância os políticos envolvidos na Lava-jato. O foro por prerrogativa de função garante presidente, ministros, senadores e deputados federais serem julgados somente pelo Supremo. O julgamento depende de a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, pôr a ação na pauta da plenária. Essas decisões são música aos ouvidos dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato.

Esse fenômeno da judicialização da política não é uma jabuticaba. Existe em razão da construção do Estado de bem-estar social após a II Guerra Mundial, que consagrou os direitos sociais com uma centralidade que rivaliza com os chamados direitos civis e a democracia representativa. As soluções políticas, no âmbito do Executivo ou do Legislativo, por essa razão, acabam gerando demandas na Justiça. No Brasil, os partidos de oposição são contumazes nesse tipo de recurso, dando ainda mais protagonismo ao Ministério Público e ao Judiciário. Agora, porém, a agenda é a crise ética, por causa da corrupção na política. Mudou-se a natureza da judicialização, que passou a ser um vetor decisivo nas eleições deste ano.