Aquele Lulinha paz e amor eleito em 2002 não existe mais. Hoje é um líder político acuado e enfurecido
A presidente Dilma Rousseff reza para chover. O ex-presidente Lula incita os petistas a irem às ruas. Mas as manifestações da oposição de hoje bombarão na Avenida Paulista e na Esplanada dos Ministérios, os dois pólos de poder petista, sem falar em outras cidades do país. Com isso, a crise política ganhará nova dimensão, que pode resultar no afastamento, cassação ou renúncia da presidente da República ou na volta de Lula ao Planalto, se aceitar assumir a Casa Civil.
Na sexta-feira, Dilma convocou uma entrevista coletiva para falar que não renuncia. Quando um presidente da República chega a esse extremo, é sinal de que seu governo acabou. Faz sentido. Do ponto de vista da economia, a situação é de completo descompasso entre o que diz o ministro da Fazenda, Nélson Barbosa, atarantado com a recessão, e o “me engana que eu gosto” dos demais ministros em matéria de ajuste fiscal. O PT faz campanha contra a reforma da Previdência; seus aliados são contra a recriação da CPMF, o antigo imposto do cheque.
A posição de mais independência do PMDB, assumida ontem em convenção nacional, é mais um passo na direção do impeachment. Não está no horizonte da legenda, porém, desembarcar agora do governo Dilma, não é da natureza do animal. A maioria do partido quer continuar no poder, com Michel Temer na Presidência. As articulações no Congresso para aprovar o impeachment de Dilma, hoje, estão mais avançadas onde parecia improvável: o Senado, cujo presidente é um craque da baldeação política. Renan Calheiros (PMDB-ASL) mudou de barco nos governos Collor e Fernando Henrique, na hora certa.
Lava-Jato
A variável mais imponderável da crise política não é a mobilização popular contra o governo. O PT ainda tem capacidade de reação e forte influência nos movimentos sociais e no aparelho de Estado, como foi demonstrado por seu principal “aparato ideológico”: as universidades federais. O catalisador da crise é a Operação Lava-Jato, que parece o ramal de Deodoro, desculpem-me a analogia ferroviária: numa das linhas corre um trem parador, pilotado pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba, que está desembestado; na outra, há um trem direto, sob comando do ministro Teori Zavascki, que ainda espera a chegada dos passageiros para dar a partida rumo à estação Central do Brasil.
Mais cedo ou mais tarde, a Lava-Jato alcançará a cúpula dos partidos envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras, inclusive eventuais líderes de oposição. A força-tarefa encarregada das investigações negocia novas delações premiadas, entre elas as do ex-líder do governo no Senado Delcídio do Amaral (PT-MS), dos empresários Léo Pinheiro (OAS) e Marcelo Odebrecht (Odebrecht) e do pecuarista José Carlos Bumlai, que podem ampliar o espectro de políticos e partidos investigados. Mas são casos que estão na esfera do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que está focado no afastamento e cassação do mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Janot é um bombeiro na Lava-Jato.
As manifestações de hoje terão peso, mas não serão um fator decisivo para a solução da crise, como a oposição desejaria. E terão como resposta as manifestações convocadas pelo PT, em 18 de março, sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a jararaca ferida. Aquele Lulinha paz e amor eleito em 2002 não existe mais. Hoje é um líder político acuado e enfurecido, disposto a lutar com unhas e dentes contra seus adversários, estejam onde estiverem. O juiz Sérgio Moro e os procuradores que pediram sua prisão preventiva estão nessa categoria.
A propósito, nove entre dez políticos e juristas consideram a prisão preventiva de Lula, pedida pelos procuradores, um despropósito. Dificilmente será aceito pela juíza Maria Priscila Oliveira, mas isso não significa que não aceite a denúncia. A patacoada serviu para Lula coesionar forças que se descolavam do governo. Voltamos, assim, ao ponto de partida.
A ideia de um governo forte, mobilizador dos “de baixo” e tutor dos “de cima”, que parecia bem-sucedido quando Dilma foi eleita em 2010, teve fôlego curto. Surfou nas águas da economia chinesa graças à vocação natural do Brasil como exportador de commodities agrícolas e minérios. Com a crise mundial, suas contradições internas, principalmente a desindustrialização do país, passaram a ser predominantes. A principal foi a expansão do gasto público e do crédito muito acima da real capacidade da geração de riquezas. Além disso, o capitalismo de Estado tem vocação autoritária, sua expansão acaba por confrontar o Estado de direito democrático. O escândalo da Petrobras mostra apenas a face criminal dessas contradições.
Caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolva mesmo assumir um cargo no governo, sua presença no centro do poder será a busca de saída pela radicalização política, com a utilização da força do governo — a forma mais concentrada de poder, é bom lembrar — para sufocar a Operação Lava-Jato e a oposição, uma vez que o PT está enfraquecido e isolado. É uma atitude ousada, que visa domar o Congresso e o Judiciário.
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