Nas entrelinhas: O finado coronel

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O Palácio do Planalto tenta debelar a crise política aberta pelas declarações de Torquato, mas isso não resolve a situação caótica da PM fluminense, que vive uma guerra de facções políticas

O falecido coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, que comandou a Polícia Militar fluminense nos dois governos de Leonel Brizola, foi uma espécie de precursor das unidades de pacificação implantadas nas favelas cariocas pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), que está preso em Benfica. Defendia uma mudança de conceitos e mentalidade na corporação, que fora engessada, segundo ele, em uma estrutura concebida por Getulio Vargas, em 1936, para atuar como força auxiliar do Exército numa guerra civil ou contra insurreições, em razão da Revolta Constitucionalista de 1932 e da chamada Intentona Comunista de 1935. Durante o regime militar, essa concepção se consolidou.

O Plano Diretor da PMERJ elaborado por Cerqueira tinha o objetivo de mudar o comportamento repressivo da tropa e implantar um novo modelo de policiamento, a partir de efetiva integração comunitária. A política, porém, enfrentou grande resistência e dividiu a corporação entre “bundões” e “fodões”. No jargão grosseiro dos quarteis, os primeiros eram os oficiais burocratas, defensores da integração e da prevenção; os segundos, oficiais operacionais, defensores da repressão.

Com Brizola no governo fluminense, a PM deixou de subir o morro e usar as botas para arrombar as portas dos barracos, como era tradição, mas a outra face da moeda foi a entrega do controle dos morros para os traficantes. Não era a intenção de Nazareth Cerqueira, mas foi o que acabou acontecendo. O interesse eleitoral falou mais alto. Nas eleições municipais de 1988, por exemplo, Marcelo Alencar foi eleito prefeito graças ao prestígio de Brizola nas comunidades.

Desde então, a cada eleição, um dos grupos apoia o candidato de oposição. Moreira Franco, por exemplo, em 1986, foi apoiado pelos “fodões”. Já Anthony Garotinho, em 1998, pelos “bundões”. Foi no seu governo que emergiu o poder de uma nova categoria na PM fluminense: “a banda podre”, como denunciou o então secretário de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, que acabou demitido. Os filmes Tropa de Elite 1 e 2, citados pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, relatam os bastidores da PM fluminense.

O Palácio do Planalto tenta debelar a crise política aberta pelas declarações de Torquato, mas isso não resolve a situação caótica da PM fluminense, que vive uma guerra de facções políticas, num ambiente cuja cultura é secular. A situação da PM do Rio é de caos doutrinário. As unidades de pacificação já não dão conta recado, nem os antigos batalhões. Como ontem foi Dia de Finados, fica o registro de que o coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira foi assassinado no saguão do prédio onde trabalhava, pelo sargento da PM Sidney Rodrigues, na tarde de 14 de setembro de 1999. O assassino foi morto logo a seguir, com um tiro na nuca, supostamente, disparado por um segurança da Terma Aeroporto, que funciona no térreo do edifício. Pai de sete filhos, Cerqueira estava aposentado na Polícia Militar desde 1994. O crime nunca foi esclarecido.