Nas entrelinhas: O fim melancólico

Publicado em Governo, Justiça, Política, Trabalho

Políticos e servidores teriam atuado para cometer fraudes na concessão de registros sindicais. A criação de sindicatos virou uma indústria, verdadeira mamata

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) surgiu pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943, sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas, unificando toda legislação trabalhista existente no Brasil. Seu principal objetivo foi regulamentar as relações individuais e coletivas do trabalho. Foram 13 anos de estudos e discussões — desde o início do Estado Novo até 1943 — entre destacados juristas, como Arnaldo Lopes Süsseking, José de Segadas Viana, Oscar Saraiva, Luiz Augusto Rego Monteiro e Dorval Lacerda Marconde, que se empenharam em criar uma legislação que atendesse à necessidade de proteção do trabalhador, sob a égide de um Estado regulador, corporativista e intervencionista, de tendência fascista, o Estado Novo.

Desde a sua publicação, a CLT sofreu várias alterações, para ser adaptada à modernização do país. Continua sendo o principal instrumento para regulamentar as relações de trabalho e proteger os trabalhadores, mas passa por um processo de reformas que visa sua desregulamentação. Flexibilizar a contratação de trabalhadores passou a ser uma necessidade para que o mercado de trabalho se adapte às mudanças econômicas e tecnológicas ditadas para globalização e pelo que já está sendo chamado de “capitalismo de dados”.

A CLT não foi a simples sistematização da vasta legislação trabalhista produzida no país após um plano coerente. Embora tenha recebido o nome de “consolidação”, introduziu novos direitos e regulamentos até então inexistentes. Tratou minuciosamente da relação entre patrões e empregados: regras referentes a horários a serem cumpridos pelos trabalhadores, férias, descanso remunerado, condições de segurança e higiene dos locais de trabalho etc. Até hoje, a anotação dos contratos de trabalho deve ser feita na carteira de trabalho instituída em 1932, símbolo maior da Era Vargas.

Apesar de sua reforma administrativa ou dos investimentos em infraestrutura e na indústria de base, a imagem de Vargas como protetor da classe trabalhadora está colada à CLT. A outra face dessa moeda, porém, foi a intervenção nos sindicatos de trabalhadores, que, até então, sofriam forte influência anarquista. O trabalhismo de Alberto Pasqualini e San Tiago Dantas, apoiado por Vargas, foi alavancado por um sindicalismo chapa branca, pelego, inspirado na Carta Del Lavoro do ditador italiano Benito Mussolini. Originário da Itália, o fascismo foi uma resposta à crescente influência comunista entre os trabalhadores italianos após a Revolução Russa de 1917.

Com a abertura comercial e as privatizações do setor produtivo estatais, após a redemocratização, a estrutura sindical brasileira é o que ainda resta da Era Vargas. Durante os governos Lula e Dilma, seus líderes gozaram de um poder sem precedentes. Nem quando João Goulart foi ministro do Trabalho de Vargas, na década de 1950, ou presidente da República, no começo dos anos 1960, os sindicalistas tiveram tanto prestígio. A chamada “República Sindical” que se atribuía ao governo de Jango, em 1964, nem de longe se compara ao poder dos sindicatos e seus líderes a partir de 2002.

Com Lula no poder, os sindicalistas do PT e seus aliados da CUT e demais centrais sindicais passaram a controlar a Petrobras, os fundos de pensão e os ministérios da Previdência e do Trabalho, ao mesmo tempo em que o prestígio e a influência das centrais aumentaram no Congresso. A criação de sindicatos virou uma indústria, verdadeira mamata. A Operação Lava-Jato, que desnudou a corrupção institucionalizada na Petrobras, e as investigações nos fundos de pensão, porém, mostram a outra face desse poder. Agora, as investigações estão chegando aos sindicatos e aos sindicalistas, que sempre estiveram blindados por uma legislação que impedia a fiscalização de suas contas, a pretexto de defender a autonomia sindical.

Fio da meada

Ontem, Helton Yomura, ministro do Trabalho, renunciou ao cargo, depois de ser afastado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. É suspeito de envolvimento com suposta organização criminosa que, segundo a Polícia Federal, cobrava pela emissão de registros de sindicatos. Na carta de demissão, Yomura afirma: “Estou ciente de que jamais pratiquei ou compactuei com qualquer ilicitude”.

No pedido feito a Fachin para deflagrar a nova etapa da operação, a Polícia Federal também solicitou autorização para cumprir mandados de busca e apreensão em endereços do ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo), mas o ministro do STF e a Procuradoria-geral da República entenderam que não havia provas suficientes contra ele. Segundo a PF, políticos e servidores teriam atuado para cometer fraudes na concessão de registros sindicais.

É um fim melancólico para a Era Vargas, num momento em que os sindicatos de trabalhadores precisam se reinventar, pois enfrentam mudanças estruturais na economia, que demandam mais tecnologia e menos mão de obra, e um golpe mortal no gigantismo e no assistencialismo das entidades, com o fim do imposto sindical. Quem quiser que se iluda, o escândalo é apenas o fio de uma meada.