O juiz Sérgio Moro não pode utilizar citações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado ao ex-presidente José Sarney
Waldemar das Chagas foi um poeta de São João de Meriti, município da Baixada Fluminense, da geração de Solano Trindade e Heitor dos Prazeres, todos intelectuais à margem da academia e pioneiros do movimento negro no Rio de Janeiro, ao lado de outros negros que abriram caminhos, antes e durante o regime militar, como Abdias do Nascimento, Carlos Moura e Geraldo Rodrigues do Santos, este último na mais dura clandestinidade. Tive a honra de conviver com Waldemar como repórter, ele no O Globo e eu no O Dia, no começo dos anos 1970, quando a imprensa carioca resolveu fazer uma campanha contra as execuções do Esquadrão das Morte. É dele a poesia que intitula a coluna, um quase haikai: “O rei tirou os óculos/ escuros, os vassalos/ viram a náusea/ nos olhos do rei/ a náusea real / do rei”.
Quem já foi rei não perde a majestade. Ontem, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por quatro votos a um, que o juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal no Paraná, não pode utilizar citações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado ao ex-presidente José Sarney em investigações da Operação Lava-Jato que tramitam na primeira instância. O relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Luiz Edson Fachin, manteve decisão de Teori Zavascki, de setembro do ano passado, que havia entendido que os fatos poderiam ser analisados por Moro, mas o novo relator foi derrotado pelos pares.
No entendimento dos ministros Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello, as citações a Sarney estão diretamente relacionadas a autoridades com foro privilegiado no Supremo e devem continuar sob análise no STF. Aceitaram um recurso da defesa de Sarney. Cristão novo na turma, Fachin ficou completamente isolado: “Não se trata de desmembramento dos fatos, apenas de compartilhamento das informações. Tenho por mim que essa decisão do relator atende interesse da apuração criminal”, ainda argumentou, sem sucesso.
Sarney não tem foro privilegiado no Supremo porque não é mais senador. Um inquérito aberto pelo Ministério Público Federal no começo deste mês apura se atuou para tentar obstruir as investigações da Lava-Jato, junto com os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR). Conversas entre eles foram gravadas por Sérgio Machado, que apresentou os fatos em seu acordo de delação premiada. Sarney, porém, foi citado em outro contexto: teria pedido ajuda financeira para manter sua base no Amapá e no Maranhão. Teria recebido R$ 16,25 milhões de propina, em dinheiro vivo, pago entre 2006 e 2014; além de ter recebido mais R$ 2,25 milhões em doações oficiais, totalizando R$ 18,5 milhões. Esse fato agora só poderia ser analisado pelo STF.
Às vésperas do carnaval, o ministro Dias Toffoli, com sua interpretação vitoriosa, abriu uma avenida para os ex-presidentes da República eventualmente citados nas delações premiadas da Odebrecht ficarem na alçada da Segunda Turma do STF. A tese: já há inquérito aberto para investigar Sarney no Supremo com outros senadores; as citações feitas por Sérgio Machado estão “imbricadas” a fatos relacionados a pessoas com foro privilegiado. “Vou agir por coerência com a minha jurisdição, no sentido de acolher o primeiro pedido, de que fique sob jurisdição desta Corte”, os termos da delação de Sérgio Machado que citam Sarney.
Não será surpresa se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva agarrar com as duas mãos essa possibilidade para sair da alçada de Sérgio Moro. Já fez várias tentativas. A decisão foi um duplo freio de arrumação: restringiu o poder de Sérgio Moro e mostrou a Fachin que as liminares do falecido ministro Teori Zavascki podem ser reformadas, mesmo contra a opinião do novo relator. Há ministros na Segunda Turma indicados por Sarney, Celso de Mello; Fernando Henrique Cardoso, Gilmar Mendes; Lula, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski; e Dilma, Fachin. Indicado por Collor de Mello, já enrolado na Lava-Jato, o ministro Marco Aurélio participa da Primeira Turma.
Mão pesada
Ao ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o ex-ministro da Justiça Alexandre Moraes, indicado para a vaga de Teori Zavascki, afagou a bancada da bala: defendeu que o tempo máximo de internação de um adolescente que comete ato infracional seja aumentado de três para 10 anos de internação em caso de ato hediondo. Ao atingir 18 anos de idade, o adolescente deveria ser separado dos demais internos e colocado em uma ala específica. “Tive a experiência prática, quando acumulei a Secretaria da Justiça com a presidência da Febem, que, ao fazer 18 anos, aquele menor, agora maior, vira um líder, um ídolo lá dentro, e acaba incentivando mais violência”, acrescentou.