Nas entrelinhas: Moro joga a toalha; Doria, ainda não

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A desistência de Moro e as dificuldades de Doria ampliam a possibilidade de uma candidatura unificada da terceira via, porém, no momento, quem mais se beneficia dessa situação é Bolsonaro

Quinta-feira movimentada no xadrez das eleições presidenciais. O ex-juiz da Lava-Jato Sergio Moro deixou o Podemos e se filiou ao União Brasil (PSL+DEM) para ser candidato a deputado federal por São Paulo, como “puxador” de votos da legenda. Depois de um acesso de fúria na quarta-feira, no qual denunciou a traição dos aliados e ameaçou permanecer no cargo, o governador de São Paulo, João Doria, ontem, manteve sua candidatura a presidente da República. Na despedida de ministros que deixaram os cargos para disputar as eleições, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a ditadura militar e voltou a atacar o Supremo Tribunal Federal (STF). Vamos por partes.

A surpreendente decisão de Sergio Moro, que desistiu da candidatura à Presidência e trocou o Podemos pelo União Brasil, muda o cenário eleitoral em favor do presidente Jair Bolsonaro. O projeto de Moro sempre foi tomar os votos dos eleitores de Bolsonaro descontentes com sua atuação à frente do governo federal. No primeiro momento, no auge da pandemia de covid-19 e da recessão, o projeto parecia ter consistência, mas Bolsonaro mostrou-se muito resiliente e manteve sua base eleitoral mais ideológica.

A franja capturada por Moro, cuja narrativa sempre esteve centrada na bandeira da ética, não se sobrepôs à força de agregação do governo como forma mais concentrada de poder. Como Bolsonaro está com sua vaga no segundo turno quase garantida, frustraram-se os planos de Moro, em especial porque esse cenário dificultou ainda mais o apoio interno no Podemos, cuja bancada de senadores se tornou refratária à candidatura. Com Álvaro Dias candidato ao Senado e o ex-procurador Deltan Dallagnol à Câmara, no Paraná, a melhor opção para Moro passou a ser disputar uma vaga de deputado federal em São Paulo, para ser o mais votado do Brasil. A possibilidade de ainda ser candidato a presidente da República, aventada no comunicado que Moro distribuiu, é mera formalidade.

Incêndio no ninho

Doria deixa o governo de São Paulo sob um ataque de piranhas. Na cena em que reafirmou a intenção de ser o candidato a presidente do PSDB, no Palácio dos Bandeirantes, na qual erguia o braço do presidente do PSDB, deputado Bruno Araújo (PE), era ostensivo o constrangimento: nos ritos eleitorais, deveria ser o contrário. Em nenhum momento Araújo sorriu, pois é um dos dirigentes da cúpula do PSDB que sonham com a desistência de Doria, para que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, derrotado nas prévias pelo governador paulista, venha a ser, de fato, o candidato da terceira via.

Foram 24 horas de muita tensão interna no PSDB, a partir do momento em que Doria, numa reunião muito tensa, acusou o vice Rodrigo Garcia de conivência com as articulações para remover sua candidatura à Presidência. Essas articulações são lideradas pelo deputado Aécio Neves (MG), desafeto figadal de Doria, e outras lideranças tucanas, como o senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-senador José Aníbal (SP).

Até aí, era jogo jogado, mas o governador paulista saiu do sério quando soube que a bancada paulista estava só esperando sua saída do Palácio dos Bandeirantes para entrar no jogo bruto contra sua candidatura. Foi aí que sobrou para Garcia, o vice-governador responsável pela articulação eleitoral em São Paulo, que também se comprometeu a bancar a candidatura de Doria à Presidência. É preciso ver para crer.

Bolsonaro na ofensiva

Tanto a desistência de Moro quanto as dificuldades de Doria ampliam a possibilidade de uma candidatura unificada da terceira via, porém, no momento, objetivamente, quem mais se beneficia dessa situação é o presidente Jair Bolsonaro. As pesquisas estão mostrando que o presidente da República começa a recuperar gradativamente sua popularidade, encurtando a distância em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em tese, seria uma oportunidade para Bolsonaro acenar aos eleitores mais moderados, deixando de lado a radicalização do seu discurso político. Mas não é isso o que está acontecendo.

Bolsonaro, ontem, voltou a enaltecer o golpe militar de 1964, endossou a nota do ministro da Defesa, Braga Netto, que deixou o cargo para ser seu vice. E novamente atacou o Supremo Tribunal Federal, com declarações desrespeitosas: “Nós, aqui, temos tudo para sermos uma grande nação, para sermos exemplo para o mundo. O que falta? Que alguns poucos não nos atrapalhem. Se não tem ideias, cale a boca! Bota a tua toga e fica aí sem encher o saco dos outros! Como atrapalham o Brasil!”

Ontem, além de Braga Netto, deixaram o governo os ministros Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura); João Roma (Cidadania); Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos); Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), Onyx Lorenzoni (Trabalho), Flávia Arruda (Governo), Tereza Cristina (Agricultura), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Gilson Machado (Turismo). Todos serão candidatos nas eleições. Alguns, a governador, como Tarcísio de Freitas e João Roma, em São Paulo e Bahia, respectivamente; outros, ao Senado, como Tereza Cristina, por Mato Grosso do Sul, e Flávia Arruda, por Brasília.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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