Nas entrelinhas: Maia versus Temer

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Avaliações feitas pelo Palácio do Planalto mostram que o presidente da República poderá ter menos votos na rejeição da segunda denúncia do que na primeira

Não convidem o presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para jantar sem combinar muito bem o cardápio. Os dois andam se estranhando por qualquer motivo. O mais recente é a ameaça de mudanças no PIS e Confins por medida provisória, admitida ontem pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em Washington, nos Estados Unidos. A proposta em estudo prevê a elevação da alíquota de 9,25% para 10%, o que não é pouca coisa num cenário de inflação abaixo dos 3% e juros podendo chegar a 7%.

Alguém já disse que certos assuntos não devem ser abordados no exterior, sem se saber direito como andam os humores do Congresso e da opinião pública. Ao saber da novidade, Maia mandou recado para o Planalto de que não aceitará aumento de impostos. Uma medida provisória pode simplesmente ser abortada pela Câmara. “Sou contra o aumento de impostos e mais ainda por meio de uma medida provisória. Aumentar as alíquotas do PIS/Cofins por MP? Não vai nem tramitar. Não é que não vai passar. Nem vamos discutir o mérito”, disparou.

O PIS e a Cofins são pagos por empresas de todos os setores e ajudam a financiar a Previdência Social e o seguro-desemprego. Meirelles alega que o ajuste da alíquota não é um aumento de impostos, mas um mero ajuste para compensar a perda de receita em razão de decisões judiciais. Estima-se que o governo federal deixaria de arrecadar R$ 27 bilhões por ano com essas mudanças. “Nesse caso, não há nenhum aumento de carga tributária, haveria uma recomposição de base visando termos uma neutralidade tributária”, explicou. Os estudos da Receita Federal visam à recomposição de arrecadação em virtude da eliminação do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins.

Denúncia
As relações entre Temer e Maia estão tensas desde quando o presidente da Câmara, em entrevista, refutou suspeitas do Planalto de que conspira contra Temer. O presidente da Câmara disse que não procederia como o atual presidente da República no caso do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o que deixou Temer surpreso e agastado. Maia também vem fazendo críticas ao grupo palaciano, não poupa sequer o secretário-geral da Presidência, ministro Moreira Franco, que é seu sogro. Acusa a cúpula do PMDB de trabalhar para impedir que deputados descontentes com seus partidos se filiem ao DEM.

Como há muita insatisfação na base e certa dose de chantagem para forçar o governo a liberar verbas e nomear aliados para cargos na Esplanada, as avaliações feitas pelo Palácio do Planalto mostram que o presidente Temer poderá ter menos votos na rejeição da segunda denúncia do que na primeira, o que acirra ainda mais o choque com o presidente da Câmara. Aos aliados mais próximos, Maia tem afirmado que não pretende atrapalhar o governo na votação, mas também não vai se empenhar como da primeira vez. Raposas da Câmara são unânimes em dizer que Maia só não afastou Temer do cargo na primeira denúncia porque não quis.

A famosa fleuma de Temer parece já não ser a mesma do começo de seu governo, haja vista o susto que levou nesta semana por causa de uma obstrução parcial das coronárias. Contido e elegante no trato, o presidente da República começa a dar sinais de que as pressões da base estão lhe causando grande estresse. A votação da segunda denúncia pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara deve ocorrer na próxima semana, uma vez apresentado o parecer favorável do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), um dissidente tucano. Essa é uma vantagem em relação à primeira denúncia, na qual os governistas tiveram que derrubar o primeiro parecer. Enquanto a situação não se resolve, as reformas estão congeladas, principalmente a da Previdência, e as concessões do governo aumentam, o que atrapalha o ajuste fiscal.

Na mesma entrevista, Meirelles, por exemplo, admitiu que o governo fará novas concessões na reforma da Previdência e, com isso, a mudança terá menos impacto no ajuste fiscal: “Esse projeto equivale a 75% do projeto original… Uma queda ainda desse patamar é de acordo também com o previsto. É normal que haja um processo de discussão e modificações no Congresso. Agora qual é o nível disto é que nós vamos negociar nas próximas semanas”. Para ele, o recuo já foi precificado pelo mercado. A tradução disso, porém, é um ambiente de negócios mais volátil, com a redução dos investimentos, o que limita a taxa de crescimento. A expansão de consumo subsidiada por recursos oriundos do FGTS chegou ao limite, e a taxa de desemprego, bastante alta, também compromete as possibilidades de crédito.