Nas entrelinhas: Índios são teimosos

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A maioria dos brasileiros sente empatia pelos índios, porque herdou o DNA e a cultura. Ao contrário, o presidente Jair Bolsonaro é inimigo dos direitos dos índios

Uma das coisas que mais queimam o filme do Brasil no exterior são protestos de índios na Esplanada, ainda mais quando há enfrentamento com forças policiais. As cenas ganham destaque nos meios de comunicação e formam uma imagem muito negativa do país no exterior. Sintetizam tudo o que a opinião pública mundial condena em termos de violação de direitos humanos. As consequências são mais graves do que imaginam aqueles que continuam tratando os índios como seres humanos de segunda classe. Derrubar e queimar as florestas são um grave problema ambiental e diplomático; maltratar os índios mais ainda.

A maioria dos brasileiros sente empatia pelos índios, porque herdou o DNA e a cultura, mesmo sem saber direito seus vínculos de ancestralidade. Ao contrário, o presidente Jair Bolsonaro é inimigo dos direitos dos índios, apoia madeireiros, garimpeiros, pecuaristas e grileiros que invadem suas terras e derrubam a floresta, criminosamente. Pelo visto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também não gosta dos índios, embora deva ter uma ancestral “preada” no mato, como era comum em Alagoas muito antigamente. Ontem, sob seu comando, o Centrão “passou a boiada” sobre os direitos dos índios na Comissão de Constituição e Justiça.

A mudança cria um “marco temporal” para as terras consideradas “tradicionalmente ocupadas por indígenas”, exigindo a presença física dos índios em 5 de outubro de 1988; permite contrato de cooperação entre índios e não índios para atividades econômicas (garimpo e derrubada de árvores); possibilita contato com povos isolados ameaçados de extinção “para intermediar ação estatal de utilidade pública” (grandes projetos de mineração e hidrelétricas). Agora, o projeto de lei segue para apreciação no plenário da Câmara. Se aprovado, o texto vai ao Senado. A mudança permite à União retomar áreas reservadas em caso de alterações de traços da comunidade (miscigenação). Única representante indígena no Congresso Nacional, a deputada Joenia Wapichana (Rede- RR) lamentou: “O projeto é totalmente eivado de vícios constitucionais. Além do mais, o que estamos discutindo hoje é um retrocesso tremendo”.

Os Kariris

Em Alagoas, ou seja, na terra de Lira, há 13 comunidades indígenas, a maioria reconhecida após 1999 e remanescente dos Kariris, grandes protagonistas da confederação formada entre 1683 e 1713, para resistir aos colonizadores portugueses (Guerra dos Bárbaros). Os Kariris viviam entre os rios São Francisco, na Bahia, e o Parnaíba, no Piauí, com hábitos similares aos do homem do neolítico, ou seja, da Idade da Pedra, quando as tribos se sedentarizaram e começaram a desenvolver a agricultura e o pastoreio.

O objetivo da Confederação dos Kariris era a expulsão dos portugueses que haviam se apossado de suas terras, escravizando os nativos. Em 1688, depois de dois anos de conflito, o Frei Manoel da Ressurreição, Primaz e governador-geral interino do Brasil, chamou os bandeirantes para guerrear com os indígenas, mas a situação se agravou. Em 1713, o coronel João de Barros Braga promoveu uma expedição de cavalaria, subindo os rios Jaguaribe e Salgado até o Cariri, no sertão do Ceará, matando todos os índios que encontrou pelo caminho, sem distinção de sexo ou idade.

Os Kariri-Xocó, porém, até hoje, vivem na zona rural do município alagoano de Porto Real do Colégio. São 1.400 indivíduos, que falam kariri e português. A aldeia teve origem em 1578, com a chegada dos jesuítas, que reuniram várias nações indígenas (Kariri, Carapatós e Aconans) num aldeamento denominado “urubu-mirim”. Os jesuítas acabaram expulsos pelo Frei Manoel da Ressurreição, a mando do Marques de Pombal.

Ser índio em Porto Real do Colégio significa ser filho da aldeia e conhecer o segredo do Ouricuri, desde a primeira infância, além de outros ritos e costumes. Seu cotidiano laboral é muito semelhante ao das populações rurais de baixa renda, ou seja, são trabalhadores rurais. Em Alagoas, vivem em situação semelhante os Tingui-Botó (Feira Grande), os Xucuru-Kariri (Palmeira dos Índios),os Wassu Cocal (JoaquimGomes),os Karapotó (São Sebastião), os Kalancó (Águia Branca), os Dzubucuá (Porto Real do Colégio), os Geripankó, os Karuazu e os Katokinn (Pariconha). Teriam todos os motivos para deixarem de ser índios, mas não querem perder o que lhes resta de identidade étnica. Há 521 anos são muito teimosos.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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