Nas entrelinhas: Governo fraco

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A União, o Congresso, os governos estaduais, as empresas de transportes e os caminhoneiros brigam por um acordo que jogue a conta no colo do consumidor

“Isso é coisa de governo fraco”, sapecou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao criticar a mobilização das Forças Armadas para enfrentar a crise de abastecimento provocada pela greve dos caminhoneiros (na verdade, um grande locaute das transportadoras, que só agora começa a ser enfrentado pelo governo como manda a lei). Na quarta-feira, Maia foi protagonista de uma votação na Câmara que complicou ainda mais a situação, ao induzir os deputados a votarem pela extinção do Pis-Cofins no diesel dizendo que a perda seria de R$ 3 bilhões, quando na realidade seria de R$ 10 bilhões. Disse que as contas da receita estava errado, ao contrário dos cálculos da assessoria técnica do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-RJ).

O último presidente da Câmara a se aproveitar de um governo fraco foi o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que abriu o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), aliado à oposição, mas hoje está cumprindo pena em regime fechado. Dilma havia passado por um tremendo desgaste em 2013, quando foi surpreendida por grandes manifestações de protestos em todo o país, mas, mesmo assim, conseguiu a reeleição. Não resistiu, porém, quando as mobilizações de rua convergiram para as articulações no Congresso, em razão do colapso de sua “nova matriz econômica”, que jogou o país na maior recessão de sua história e provocou desemprego em massa. Seu vice, Michel Temer, entrou na conspiração e assumiu seu lugar. É um presidente fraco pela própria natureza.

Ao contrário de Cunha, Maia é hoje o primeiro na linha de sucessão de Temer. Na semana passada, o ambiente na Câmara era de vaca estranhar o bezerro, como gostam de afirmar os políticos. Os que haviam votado contra a denúncia contra Michel Temer diziam que sua manutenção no cargo foi um erro. Estava-se pagando um preço muito alto por isso, pois o governo não se recuperou da crise ética, apesar da queda da inflação e dos juros baixos. Aliados de Temer admitem que estão sendo muito cobrados pelos eleitores por causa do voto contra a denúncia. O ambiente na Câmara não é favorável ao governo. Resumindo, se houver uma nova denúncia, Temer será afastado do poder.

Maia sabe disso e parece arrependido do apoio a Temer. Teve os destinos do país nas mãos, mas não atendeu ao apelo da maioria dos seus pares, depois de um puxão de orelhas de sua mãe, uma chilena que viveu os dias dramáticos da queda de Salvador Allende ao lado do ex-prefeito Cesar Maia, então um jovem professor de economia exilado no Chile. Mariangeles Ibarra Maia, em mensagem encaminhada ao filho, pediu: “Não conspire contra Temer”. A pré-candidatura de Maia a presidente da República parecia uma jogada para garantir a recondução ao comando da Câmara; agora, começa a ter outro sentido.

Caso Temer fosse afastado, Maia assumiria a Presidência e poderia concorrer à reeleição no cargo. Há dois caminhos para isso: abrir um processo de impeachment, o que teria uma conotação golpista para o presidente da Câmara; ou esperar a terceira denúncia contra Temer, com base na investigação do Porto de Santos. Nos tempos de Janot, isso já teria ocorrido. A procuradora-geral Raquel Dodge, porém, não tem a mesma gana do antecessor contra Temer, por quem foi nomeada para o cargo, sendo a segunda mais votada entre os procuradores.

Abastecimento

O Brasil já teve muitos governos fracos, alguns acabaram depostos, como a Regência da princesa Isabel, em 1889, e os governos de Washington Luiz, na Revolução de 1930, e o de João Goulart, em 1964. Mas nenhum foi tão fraco como a Regência Provisória que assumiu o comando do país com a abdicação de Dom Pedro I, em 1831, formado pelo paulista José da Costa Carvalho, o maranhense João Bráulio Munis e o general Francisco de Lima e Silva. Num dos seus piores momentos, o governo passou seis dias cercado por mercenários amotinados, traficantes e fidalgos insatisfeitos. Nessa crise, avultou-se o ministro da Justiça, o padre Diogo Antônio Feijó, e um jovem major do Exército, Luiz Alves de Lima e Silva, filho do general, que enfrentaram os amotinados e, depois, uma série de rebeliões. Era uma época em que o nosso Estado-nação estava nos seus primórdios.

Hoje, temos um governo fraco, mas um Estado forte, com instituições sólidas e mão pesada. É uma ironia, mas a crise que estamos vivendo decorre mais do segundo do que do primeiro aspecto. Resulta de um conflito distributivo no qual a conta já não fecha, além de uma estratégia de desenvolvimento que tem como polos mais dinâmicos da indústria a produção de veículos automotivos e a exploração e o refino de petróleo do pré-sal, de um lado; a construção civil nas cidades e a produção de commodities agrícolas no campo, de outro. O Estado forte vive de aumentar impostos de combustíveis, telecomunicações e energia elétrica, para financiar governos ineficientes e subsidiar setores privilegiados da economia.

A paralisação colapsou a economia, enquanto a União, o Congresso, os governos estaduais, as empresas de transportes e os caminhoneiros brigam para ver quem vai ganhar mais ao jogar a conta no colo do consumidor. Por essa razão, a greve dos caminhoneiros gerou sentimentos contraditórios na população, que num primeiro momento ficou contra o governo, porque abraça a ideia de reduzir impostos para baixar o preço do combustível, muito inflacionado pela alta do dólar. Até o abastecimento entrar em colapso. Agora, a opinião pública se volta contra os grevistas, mas não refresca o governo. A crise política instalada só se resolverá nas eleições