A operação é uma resposta política ao caos na segurança pública do Rio, não um plano efetivo para restabelecer o controle do Estado nos ‘territórios’ ocupados por traficantes e milicianos
Era domingo, 24 de outubro de 2012, o dia ainda não havia amanhecido e dois mil agentes de segurança, entre policiais e fuzileiros navais, ocuparam a região de Manguinhos conhecida como “Faixa de Gaza”, no Rio de Janeiro — assim batizada por causa dos frequentes tiroteios entre traficantes, milicianos e policiais naquele subúrbio carioca. Iniciada às 5 horas, a operação militar não encontrou resistência. Uma hora e meia depois, estava tudo dominado.
No dia 16 de janeiro de 2013, com pompa e circunstância, o então governador Sérgio Cabral inaugurou sua 29ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na região. Manguinhos é conhecida principalmente por causa do Palácio Mourisco, a belíssima construção no alto da colina que abriga o complexo de pesquisas em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Quase 900 soldados da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, incluindo os batalhões de Operações Policiais Especiais, de Choque, de Ação com Cães e o Grupamento Aéreo-Marítimo, com apoio de efetivos e blindados dos fuzileiros navais, 100 agentes e um helicóptero da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e policiais federais participaram da operação.
Apesar de abrigar um dos principais centros de excelência em pesquisa científica do país, reconhecido internacionalmente, Manguinhos é um bairro da Zona Norte do Rio com altos índices de violência. É conhecido, também, por abrigar a Refinaria de Manguinhos, privada, que produz gasolina, diesel e diesel marítimo. Entre Bonsucesso, a Avenida Brasil e a Linha Amarela, faz fronteira com o Complexo da Maré. Cortada pela Avenida Leopoldo Bulhões e pelo ramal ferroviário de Saracuruna, a região tem um dos cinco piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro.
Com exceção dos arredores da estação ferroviária de Manguinhos, as demais localidades da região foram rebatizadas com nomes bem sugestivos, que se remetem a eventos ou personalidades: Coreia, Mandela e, por exemplo, Faixa de Gaza, como é conhecido o corredor urbano da Avenida Leopoldo de Bulhões, cuja violência e adensamento levou à comparação com conflagrada região da Palestina, onde, hoje, ocorre a guerra entre Israel e o Hamas.
Antiga zona industrial, o esvaziamento econômico da região ocorreu com o fechamento da Cooperativa Central de Produtores de Leite (CCPL), da fábrica da Gillette do Brasil e do Quartel de Suprimentos do Exército. Como também aconteceu nos complexos da Maré e do Alemão, quando as forças de ocupação foram embora, os traficantes reassumiram o controle da região, que hoje abastece a cracolândia carioca, na Avenida Brasil e Jacarezinho.
Portos e aeroportos
Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado dos ministros da Justiça, Flávio Dino, e da Defesa, José Múcio Monteiro, anunciou mais uma operação de Garantia da Lei da Ordem (GLO), com emprego de unidades do Exército, Marinha e Aeronáutica, para combater o tráfico de drogas e de armas, porém limitado aos portos e aeroportos do Rio de Janeiro. Atuarão conjuntamente com a Polícia Federal (PF) e a PRF. Lula atendeu ao pedido do governador fluminense Cláudio Castro, que perdeu o controle da situação. A operação ocorrerá, também, no Aeroporto de Guarulhos e no lago de Itaipu, que fazem parte da rota do tráfico de drogas.
No Rio, serão empregados 2 mil homens do Exército, 1.110 da Marinha e 600 da Aeronáutica, que farão a fiscalização e o controle de portos e aeroportos, com poder de polícia para efetuar prisões. A PRF cuidará das estradas e a PF das operações de inteligência e prisões, como as realizadas ontem. A operação deve durar até maio. O que acontecerá depois? Provavelmente, os traficantes e milicianos, cada vez mais associados e engenhosos, voltarão a atuar. O governo federal vai enxugar gelo.
A operação anunciada é mais uma resposta política ao caos na segurança pública do Rio do que um plano efetivo para restabelecer o controle do Estado sobre os “territórios” ocupados por traficantes e milicianos, o maior problema do Rio, que agora se estende para outras regiões do país. Esse modelo da “territorialização” do crime organizado é o grande problema a ser enfrentado.
Entretanto, não existe crime organizado sem participação de agentes do Estado, nos batalhões e delegacias que deveriam cuidar da segurança pública nesses territórios. A infiltração de traficantes e milicianos nessas instituições, e até no Judiciário do Rio, é uma realidade que precisa ser enfrentada de fora para dentro. Inclusive, porque já mira as Forças Armadas, como são exemplos a utilização do avião presidencial para tráfico de drogas por um sargento da Aeronáutica, no governo passado, e o roubo de 22 metralhadores do arsenal do Exército, em São Paulo. Ontem, um sargento do Exército também foi preso na operação da PF contra milicianos no Rio.
O governo só vai parar de enxugar gelo quando houver uma revisão da política antidrogas, para diminuir a população carcerária, e um expurgo nas policiais militares e civis, cuja banda podre precisa ser investigada e presa.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…