Uma ampla coalizão de políticos sob investigação na Operação Lava-Jato trabalha ativamente nos bastidores do Supremo para que o habeas corpus de Lula seja concedido
Todo o ritual dos ministros foi no sentido de uma decisão favorável ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no julgamento do seu pedido de habeas corpus hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF). O pronunciamento da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, pedindo serenidade à população diante da polêmica causada pelo julgamento, foi o primeiro indicativo de que a correlação de forças entre os ministros já havia se alterado no sentido de mudar a jurisprudência vigente, que determina a execução imediata da pena para réu condenado em segunda instância, caso de Lula, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão por causa do tríplex de Guarujá, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre.
Senhor da situação, o ministro Gilmar Mendes, grande artífice da nova maioria formada sobre o tema, mandou recado sereno de que votaria contra a execução de pena em segunda instância, indiferente às pressões da opinião pública. E sustentou a tese, rebatendo o ministro Luís Roberto Barroso, seu desafeto, de que o Supremo não deve se curvar às opiniões majoritárias da sociedade, pois, se fosse esse o caso, não seria necessário a sua existência. Bastaria uma pesquisa do Ibope em lugar da sentença. É vero, o Supremo existe para firmar posições contra a maioria, sempre que preciso for defender a Constituição de 1988. Esse é o seu papel primordial.
Em entrevista em Lisboa, Mendes deu uma pista do que pode vir a justificar a exceção para o caso do habeas corpus de Lula e evitar que o princípio seja aplicado a todos os condenados em segunda instância que está presa: “Para mim é uma grande confusão que nós temos de esclarecer. Se o juiz após a segunda instância pode prender, ele tem de fundamentar, explicar por que ele está aplicando a prisão. Se de fato há uma automaticidade, nós temos de esclarecer. Porque há uma grande confusão”, afirmou Mendes.
As pressões sobre os ministros só cresceram de ontem para hoje. Há manifestos de advogados e juristas a favor do habeas corpus, abaixo-assinados de promotores, delegados e juízes de primeira instância. Centenas de milhares de mensagens nas caixas postais de Cármen Lúcia e os demais ministros. A maioria quer que Lula cumpra a pena imediatamente, em regime fechado. Nos bastidores, a conversa gira sempre em torno de um enigma: o voto da ministra Rosa Weber. Ela votou contra o entendimento de que os réus devem ser presos imediatamente após condenação em segunda instância, foi vencida na Corte quando a jurisprudência atual foi aprovada. Desde então, porém, cumpre à risca essa jurisprudência e rejeita os pedidos de habeas corpus.
Em princípio, o voto de Rosa Weber decidirá o julgamento por seis a cinco. Pode ser que seja um segredo guardado a sete chaves pela ministra, mas os sinais de fumaça emitidos pelos demais integrantes da Corte sinalizam que desta vez votará a favor do habeas corpus. Pode ser que tenha confidenciado a um dos colegas a mudança de posição, talvez a Cármen Lúcia, pois são amigas. O que explicaria o pronunciamento da presidente da Corte. São assumidamente a favor do habeas corpus os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski; contrários, Cármen Lucia, Luiz Fux, Edson Fachin. Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Somente uma saída salomônica pode alterar esse placar para um resultado amplamente majoritário, o que ajudaria o Supremo a enfrentar o desgaste da decisão.
Boi de piranha
Ontem houve protestos em centenas de cidades de Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. Em Brasília, uma chuva torrencial, com muitos raios e trovões, dispersou milhares de manifestantes, justamente quando a manifestação na Esplanada dos Ministérios começava a encorpar. O banho de água fria foi bastante emblemático, pois era isso mesmo que a ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte, desejava que acontecesse.
A narrativa petista, esperta como sempre, é de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo transformado em bode expiatório do caixa dois eleitoral, enquanto seus adversários enrolados na Lava-jato são beneficiados pela impunidade. Na verdade, o que está acontecendo é justamente o contrário. Uma ampla coalizão de políticos sob investigação na Operação Lava-Jato trabalha ativamente nos bastidores do Supremo para que o habeas corpus de Lula seja concedido. Temem o chamado efeito Orloff, “eu sou você amanhã”. Nas palavras do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), decano da Câmara, Lula é uma espécie de “boi de piranha”, aquele que é jogado ao rio para ser comido pelos peixes vorazes, enquanto a boiada passa à distância segura. No caso, uma legião de caciques do MDB, PP, DEM, PSDB e de outras legendas menores.