Nas entrelinhas: A decantação da Lava-Jato

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A divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) entre “garantistas” e “punitivistas”, revela um choque de concepções jurídicas que veio para ficar

Está em curso a decantação da Operação Lava-Jato, com reflexos na disputa eleitoral deste ano. Embora sejam dois processos distintos, têm um ponto de convergência: a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, onde cumpre pena de 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado.

Decantação é um processo da separação de substâncias líquidas ou sólidas que não devem ser misturadas. É o método utilizado para tratamento de esgoto e retirada das impurezas da água. Um processo simples, quase natural: a decantação ocorre devido à diferença da densidade e da solubilidade entre substâncias heterogêneas. No caso de dois líquidos – a água e o óleo, por exemplo —, a substância com maior densidade (óleo) tende a se acumular sob a menos densa (água).

A decantação também é usada para separar líquidos de sólidos, como a água e a areia. Em repouso, a força da gravidade fará pouco a pouco que as substâncias estejam visivelmente separadas. Também é possível acelerar esse processo. A centrifugação, por exemplo, faz com que a força da gravidade atraia a substância mais densa para o fundo do recipiente, como acontece com as roupas numa máquina de lavar.

No caso dos políticos com mandato envolvidos na Operação Lava-Jato, a decantação começou no Supremo Tribunal Federal (STF) com a absolvição da presidente do PT, Gleisi Hoffman, e o marido, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, por insuficiência de provas, pela segunda turma da Corte. Todos os ministros do chamado “Jardim do Éden” votaram contra a condenação por formação de quadrilha e corrupção passiva. O ministro-relator da Lava-Jato, Edson Fachin, porém, pediu a condenação da presidente do PT por falsidade ideológica (crime de caixa dois), mas foi acompanhado apenas por Celso de Mello, num voto de 100 páginas. Votaram contra a condenação os ministros Ricardo Lewandowski, presidente da turma, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

A decisão aparta as delações premiadas das provas do processo; ou seja, decanta as denúncias do Ministério Público Federal (MPF) contra os políticos baseadas na delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht. E deve servir de base para a jurisprudência do tribunal que norteará os demais julgamentos de envolvidos na Lava-Jato, principalmente os com direito a foro privilegiado.

Há cheiro de manjericão e orégano no ar, mas ainda não há pizza. Tudo vai depender das decisões do pleno do STF, no qual o voto derrotado de Celso de Mello pode servir de fio da meada para uma nova jurisprudência. Se o julgamento fosse na primeira turma, apelidada de “câmara de gás”, não haveria nenhuma surpresa se o resultado fosse o inverso e Gleisi acabasse condenada por uso de caixa dois. O plenário do Supremo terá que se pronunciar caso a caso, examinando as provas de cada acusação, daí a decantação.

Na terça-feira, haveria o julgamento na segunda turma de um recurso extraordinário da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estavam em jogo duas questões: uma de natureza criminal, a condenação no processo do tríplex do Guarujá, pelo Tribunal Regional Federal; outra, eleitoral, a liberação da candidatura a presidente da República. O petista ainda aparece como franco favorito nas pesquisas de intenção de voto.

Divergências
Na sexta-feira, porém, a desembargadora federal Maria de Fátima Labarrère reconheceu o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que fez naufragar a manobra dos advogados para chegar ao “Jardim do Éden”. O recurso acusa o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, de parcialidade, e a força-tarefa da Lava-Jato, de excesso de acusação. Com isso, o relator do caso, Édson Fachin, retirou o assunto em pauta e furou o balão. O pretexto do recurso ao STF era a omissão do TRF-4. Mais decantação.

A divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) entre “garantistas”, encabeçados pelo ministro Gilmar Mendes, e “punitivistas”, liderados pelo ministro Luiz Barroso, revela um choque de concepções jurídicas que veio para ficar. Entretanto, o embate ganhou contornos maniqueístas por causa das idiossincrasias dos ministros. Por exemplo, Gilmar Mendes, em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do qual era presidente, chamou a primeira turma de “câmara de gás”. O ministro Herman Benjamin, do STJ, rebateu com o argumento de que o segundo colegiado seria, então, o “Jardim do Éden”. Uma festa para advogados, promotores e jornalistas.

Na verdade, nesse choque de concepções entre os ministros, os “garantistas” levam vantagem em relação a “punitivistas” se considerarmos os códigos de processo e a jurisprudência existente, que têm base no chamado direito germânico-romano, essencialmente positivista. Gilmar Mendes é expoente dessa corrente.

O neoconstitucionalismo, o novo direito constitucional que emerge na Corte, é protagonizado por Luís Roberto Barroso. Seus marcos são o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação do direito e da ética; e a força normativa da Constituição, com expansão da jurisdição e uma nova dogmática da interpretação constitucional. Esse embate será longo, em razão das mudanças em curso na relação entre Estado e sociedade.

O problema é que a divisão do Supremo está sendo um fator de instabilidade política e institucional, por causa de maiorias temporárias, que se formam a cada julgamento, devido à troca de ministros. Nesse cenário, a decantação da Lava-Jato é uma maneira de separar o joio do trigo, no caso das delações premiadas, e definir quem pode e quem não pode disputar as eleições de 2018, cuja realização é a premissa para que a ordem constitucional sobreviva a tantos solavancos.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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