Nas Entrelinhas: A contradição principal

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Ao contrapor as posições do PT à realidade da economia, Moreira expôs o maior problema político do governo Dilma: a incapacidade de convencer a sua própria base

Uma polêmica entre o novo líder do PT, o deputado Afonso Florence (PT-BA), e o ex-ministro Moreira Franco, presidente da Fundação Ulysses Guimarães, sobre o documento do PMDB intitulado “Uma ponte para o futuro”, lança luz sobre a principal contradição do governo Dilma Rousseff em meio à crise econômica, política e ética e, agora, também social.

Maoísta nos tempos de estudante de sociologia na Universidade de Sorbonne, em Paris, quando ainda era militante da antiga Ação Popular (AP), organização católica de esquerda, Moreira parece recorrer ao líder comunista chinês Mao Tsé-Tung para responder ao petista, que havia acusado o PMDB de propor uma “volta ao passado”. Disse que o novo líder do PT enumera conquistas econômicas e sociais obtidas durante o governo Lula, mas ignora o fato de que elas foram perdidas nos dois últimos anos de governo Dilma.

No ensaio “Sobre as contradições”, apesar de seu esquematismo, Mao enuncia conceitos que ajudam a entender certas situações: 1) a distinção entre a contradição principal e as contradições secundárias; 2) a distinção entre o aspecto principal e o aspecto secundário da contradição. Finalmente, um terceiro conceito: 3) o desenvolvimento desigual da contradição. Basta considerar a primeira distinção para ver que ela supõe a existência de um processo complexo, cuja superação exige identificar a contradição principal.

Ao contrapor as posições políticas do PT à realidade da economia, Moreira expôs o maior problema político do governo Dilma. A incapacidade de convencer a sua própria base de que é preciso cortar na própria carne e fazer sacrifícios políticos para enfrentar a crise ou, no mínimo, sobreviver a ela.

Para Moreira, a política econômica do governo Dilma desmantelou os fundamentos da economia que garantiram, durante o governo Lula, taxas expressivas de geração de emprego e renda, inflação controlada, valorização do salário mínimo, diminuição da desigualdade social, superávit primário, dívida pública administrada e investimentos de infraestrutura. Segundo ele, a política econômica do governo é errática, predatória e irreal, porque substitui a aritmética por crenças ideológicas.

O PT não concorda com esse tipo de avaliação. O papel da política de estabilização do governo de Fernando Henrique Cardoso foi desconstruído durante os dois mandatos de Lula e em quatro campanhas eleitorais. O resultado do voluntarismo econômico e da irresponsabilidade administrativa, que até antecedeu o governo Dilma, porém, é que o suposto legado do ex-presidente Lula está sendo volatilizado, ainda mais porque as reformas necessárias para pôr o país de volta aos trilhos, quando o desastre estiver completo, inevitavelmente, chegarão aos programas de transferência de renda, à legislação trabalhista e ao sistema de Previdência.

Esquizofrenia

As críticas de Florence ao documento do PMDB, que está apenas no papel, atingem na verdade o próprio governo Dilma, que tenta se equilibrar numa posição ambígua e perigosa, ao recorrer à fórmula da expansão do consumo da “nova matriz econômica” e, ao mesmo tempo, propor mudanças na Previdência e na legislação que regula as relações trabalho-capital. É uma esquizofrenia que paralisa o governo, mas que reflete a sua contradição principal.

Inflação controlada, responsabilidade fiscal, superávit primário, gastos possíveis e segurança jurídica, Moreira apenas enumerou tarefas que são valores para o mercado, sem os quais não haverá risco administrável para a iniciativa privada. Sem risco, restam como motivação para o investimento o cambalacho, o privilégio, a maracutaia, práticas perversas que fundem interesses de agentes privados com as políticas de governo, capturam e desvirtuam as políticas públicas, inclusive em setores essenciais, como a educação, a saúde, o saneamento básico, os transportes de massa, a infraestrutura e a energia. E que já resultaram na Operação Lava-Jato.

Como resultados dessa contradição entre o governo Dilma e seu o partido, que a acusa de desmantelar o legado de Lula, toda a base do governo se desarticula, a começar pela aliança com o PMDB. Pior, o PT pode culpar Dilma pelo desmantelo político e econômico, mas não pode livrar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva do desgaste causado pela Operação Lava-Jato, que o atinge diretamente.