Nas entrelinhas: Começa outra agonia

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Na avaliação do Palácio do Planalto, a única coisa capaz de levar a um placar desfavorável para Temer seria um acordo de delação premiada de Geddel

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fará hoje a leitura da denúncia contra o presidente Michel Temer, com o governo na ofensiva contra a Operação Lava-Jato e o Ministério Público Federal sob nova direção e na defensiva. A estratégia da base governista é desqualificar a denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, enviada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por decisão quase unânime dos ministros (10 a 1). E tentar barrar também, de uma só vez, as denúncias contra os ministros Moreira Franco (Secretaria de Governo) e Eliseu Padilha (Casa Civil). Ficou mais fácil votar tudo num só pacote: ontem, depois de conversa com a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, Maia descartou o fatiamento das votações.

Foram duas horas de conversa entre o presidente da Câmara e a presidente do Supremo, chefes dos dois Poderes que constitucionalmente podem afastar do cargo o presidente da República em razão de um processo penal. Temer foi denunciado pelos crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça, e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral), por organização criminosa. “Para mim, é muito claro que é uma votação só. É ‘sim’ ou ‘não’, no meu ponto de vista. Até porque o crime aonde estão os ministros é de organização criminosa. Como é que você vai separar essa parte que é conexa 100% um do outro? Se fosse talvez outro crime, poderia até talvez pensar em fazer separação”, resumiu Maia, depois da conversa com a ministra.

O Supremo Tribunal Federal (STF) só poderá analisar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) após decisão favorável da Câmara. Caso isso ocorra, Temer será afastado temporariamente e Maia assumirá seu lugar. Mas, para isso acontecer, é necessário que 342 dos 513 deputados votem a favor da denúncia. Ainda não está claro se o governo pretende acelerar a votação ou não. O governo tenta rearrumar a base de apoio. Hoje, Temer teria votos suficientes para barrar a denúncia, mas os deputados da base negociam cargos no governo para comparecer à votação. O prazo de 17 sessões pode ser encurtado se o quórum for garantido de segunda a sexta-feira, o que só acontece na Câmara raramente, quando o governo se empenha muito para isso.

Ontem, por exemplo, o presidente do PR, Valdemar Costa Neto, um dos protagonistas do “mensalão”, foi recebido no Palácio do Planalto para tratar dos assuntos do partido. O apoio do PR é fundamental, ainda mais porque a antiga oposição não é muito confiável nessa votação. Com cinco ministérios, o PSDB continua dividido quanto a isso e não quer de jeito nenhum que um de seus integrantes seja o relator da matéria. Uma ala do DEM também vota a favor da denúncia. Mesmo na bancada do PMDB há parlamentares que votarão contra Temer, como na primeira vez. É o caso de Jarbas Vasconcelos (PE), que até perdeu o comando da legenda em Pernambuco por causa disso.

Além de Temer e seus dois ministros, também estão denunciados outros integrantes do grupo do presidente: os ex-deputados Eduardo Cunha (RJ), Henrique Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA) e Rodrigo Rocha Loures ((PR). Desses aí, o fio desencapado é Geddel, acusado de guardar R$ 51 milhões em espécie num apartamento em Salvador. Na avaliação do Palácio do Planalto, a única coisa capaz de levar a um placar desfavorável para Temer seria um acordo de delação premiada de Geddel, que está preso e não tem direito a foro privilegiado. A investigação sobre as malas de dinheiro que supostamente guardava fazem de parte de outro inquérito.

Lava-Jato

Uma coisa é certa, ninguém espere uma ação espetacular da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, durante a apreciação das denúncias. Ontem, na posse dos novos integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público, ela mais uma vez evitou falar na Operação Lava-Jato e mudou o foco de atuação do conselho para a preservação do meio ambiente e a defesa dos direitos humanos e das minorias. Ao lado do presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), e do senador Edison Lobão (PMDB-AM), criticou o que chamou de “cogitações de retrocesso”:

“Estudos apontam que, em todo o mundo e também no Brasil, a democracia está sendo desafiada pelo crescimento do número de apoiadores de posições totalitárias. Diminui a confiança nas instituições, apontam pesquisadores. O fortalecimento do Ministério Público, papel deste conselho, deve contribuir para aumentar a confiança na democracia e nas instituições de Justiça, como nos incumbiu a Constituição, repudiando quaisquer cogitações de retrocesso”, disse Dodge. Com a economia em recuperação, o Judiciário, inclusive o STF, passou a ser atacado pelos políticos enrolados na Lava-Jato. O discurso é o seguinte: não há saída para a crise sem os partidos e os políticos. O mais importante é chegar às eleições de 2018 sem novas turbulências políticas.