Nas entrelinhas: A cabeça de um homem

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A decisão do Conselho de Ética precipitou as articulações para a eleição do novo presidente da Câmara, o substituto legal de Michel Temer na Presidência da República

Não, não estamos falando do famoso romance de Georges Simenon, o escritor belga de romances policiais, no qual o famoso comissário Maigret tenta provar a inocência de um homem condenado à morte por um assassinato brutal. Trata-se da cabeça do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujo pedido de cassação por quebra de decoro parlamentar foi aprovado ontem, por 11 votos a 9, pela Comissão de Ética da Casa. A grande surpresa não foi o voto da deputada Tia Eron (PRB-BA), que fez grande mistério sobre sua posição, mas a surpreendente traição do deputado Wladimir Costa (SD-PA), da tropa de choque de Cunha.

Foi o primeiro sinal do que deve ocorrer em plenário, quando o pedido for a voto. São necessários pelo menos 257 votos dos 513 deputados para a cassação de Cunha ser aprovada. Com o fim do voto secreto para o julgamento de pedidos de cassação de parlamentares, ser absolvido em plenário contra um parecer da Comissão de Ética é praticamente impossível. Que o diga o ex-vice-presidente da Câmara André Vargas Ilário (PT-PR), hoje preso em Curitiba, que se notabilizou ao posar de punho cerrado ao lado do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, à época do julgamento do mensalão. Vargas foi cassado por quebra de decoro parlamentar (intermediou negócios do doleiro Alberto Youssef com o Ministério da Saúde) por 359 votos a favor, um contra e seis abstenções. Somente um petista teve coragem de votar contra a cassação.

Cunha vai recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara sobre eventuais falhas na tramitação do caso, numa tentativa desesperada e vã de evitar a votação em plenário. Está numa situação muito pior do que a daquele personagem de Simenon que foi condenado à morte e esperava o dia da execução, mas foi salvo pelo comissário Maigret. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é o principal algoz de Cunha, que ousou desafiá-lo ao transformar o seu caso junto ao Ministério Público Federal numa desavença pessoal. Afastado do mandato desde 5 de maio, por decisão do Supremo Tribunal Federal, Cunha tentou se utilizar do cargo para interferir nos trabalhos da Comissão de Ética e na própria Justiça. Perdeu!

A autoconfiança de Cunha na presidência da Câmara foi fatal. Durante os trabalhos da CPI da Petrobras, como aquele sujeito que atravessou a rua para escorregar numa casca de banana, Cunha se ofereceu espontaneamente para depor. Indagado sobre a existência de suas contas na Suíça, negou o fato. O Ministério Público, porém, informou à Câmara que as contas existiam. Mentir publicamente no Congresso, por incrível que pareça, é um erro crasso. O autor pode ser enquadrado em crime de responsabilidade e perder o mandato parlamentar.

O deputado Marcos Rogério (DEM-RO), relator do pedido de cassação, quanto a isso, foi categórico: “O deputado mentiu e omitiu informações relevantes à Câmara dos Deputados. Montou uma engenharia financeira no exterior para esconder patrimônio e o recebimento de propina. A pena de perda de mandato revela-se adequada, necessária e proporcional. Estamos diante do maior escândalo que este colegiado já julgou. Trata-se de uma trama para mascarar uma série de crimes.”

O strike
Cunha é carta fora do baralho? Ainda não! Sua cassação é inevitável. Seu protagonismo no comando da Câmara se encerrou, mas ele é um daqueles personagens da política que não morrem uma única vez. Comanda ainda uma bancada expressiva de aliados, a maioria dos quais vai traí-lo, com toda certeza, como aquele colega do Pará. São solidários até a hora do funeral, mas não pulam na cova com o caixão do amigo. O troco de Cunha será a delação premiada, para salvar a mulher, a jornalista Cláudia Cordeiro Cruz, e a si próprio. Os dois tiveram os bens bloqueados ontem pelo juiz federal substituto Augusto César Pansini Gonçalves, da Vara Federal de Curitiba, em razão de um processo de improbidade administrativa. É o cerco se fechando.

No Congresso, comenta-se que o presidente afastado da Câmara teria ameaçado denunciar 150 parlamentares por recebimento de propina. Como se sabe, segundo as investigações, Cunha teria movimentado grandes volumes de recursos desviados da Petrobras. A destinação desse dinheiro não seria apenas o enriquecimento pessoal, mas também o financiamento das campanhas dos aliados, o que explicaria o seu poder na Casa. Mesmo assim, a pressão para cortar a cabeça de Cunha vai aumentar. A decisão do Conselho de Ética precipitou as articulações para a eleição do novo presidente da Câmara, o substituto legal de Michel Temer na Presidência da República, ou seja,  um cargo ainda mais estratégico se o peemedebista resolver falar tudo o que sabe.