Nas entrelinhas: Agenda é nacional, mas o sistema de segurança é uma bagunça

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A segurança pública é tratada de forma populista por muitos governadores, e o resultado é o crescimento do tráfico, das milícias, da corrupção e da “territorialização” do crime organizado

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, mal assumiu o cargo e depara-se com as limitações da pasta em relação à tarefa de cuidar da segurança pública. No momento, está às voltas com as buscas para recapturar dois integrantes do Comando Vermelho, que se evadiram da Penitenciária Federal de Segurança Máxima de Mossoró, no Rio Grande do Norte, uma das cinco unidades federais sob sua responsabilidade, utilizadas para prender bandidos de alta periculosidade. Até então, ninguém havia fugido do sistema penitenciário federal. Deibson Nascimento e Rogério Mendonça, que escaparam em 14 de fevereiro, estão dando uma canseira na Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal e na Força Nacional. Desgaste para Lewandowski.

No sábado, Fernandinho Beira-Mar, o chefe do Comando Vermelho, que estava preso em Mossoró, foi transferido para o presídio de Catanduvas, no Paraná. Ao menos outros dois detentos também foram levados de Mossoró para Catanduvas: Railan Silva dos Santos e Selmir da Silva Almeida, que chegaram do Acre junto com os dois foragidos. Beira-Mar havia sido transferido de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, para Mossoró em 13 de janeiro, um mês antes da fuga; na mesma ocasião, Martinho PV foi levado de Mossoró para Campo Grande. São dois chefões do tráfico de drogas do Rio de Janeiro.

Luiz Fernando da Costa foi criado na Favela Beira-Mar, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Preso por roubo de armas do Exército, cumpriu pena de dois anos e, aos 22 anos, ao voltar para a favela, tornou-se chefe do tráfico. Perseguido pela polícia, refugiou-se no Paraguai e se tornou o maior fornecedor de maconha do Rio de Janeiro. Depois, fugiu para o Uruguai e a Colômbia, onde uniu-se às Farc, mas acabou preso pelo exército colombiano, em 2001. No ano seguinte, na Penitenciária de Bangu, executou o chefe da facção Amigo dos Amigos (ADA), Ernaldo Pinto de Azevedo, o Uê, que resistia à unificação do tráfico carioca. É transferido constantemente de presídios, mas em todos impõe a sua liderança. Está condenado a 120 anos.

Márcio dos Santos Nepomuceno, mais conhecido como Marcinho VP, era o chefão do tráfico no Complexo do Alemão. Estava preso numa penitenciária do Rio de Janeiro quando foi transferido para Catanduvas. Foi capturado em 1996, em Porto Alegre (RS), pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Segundo a polícia, é o responsável pela morte de seu homônimo Márcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP, chefe do tráfico no Bairro Dona Marta, em Botafogo, no Rio de Janeiro, personagem do livro Abusado, o dono do Morro Dona Marta (Companhia das Letras), de Caco Barcelos. Junto com Elias Maluco, comandou a onda de ataques a ônibus nos subúrbios cariocas, em 2010.

Home office do crime

O ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann, que também foi ministro da Defesa no governo Temer, costuma dizer que os presídios são uma espécie de home office do tráfico de drogas no Brasil, porque os principais traficantes, entre os quais Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola, líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), lideram suas facções da cadeia. Marcola está preso na Papuda, penitenciária de segurança máxima de Brasília. O Brasil tem 644.794 presos em celas físicas e 190.080 em prisão domiciliar, dos quais 121.911 com tornozeleira eletrônica. No ranking mundial, só fica atrás dos Estados Unidos (1,7 milhão) e da China (1,69 milhão), está à frente da Índia (554 mil presos) e da Rússia (433 mil), de acordo com o banco de dados The World Prison Brief, da Birkbeck, Universidade de Londres.

Os presídios funcionam como quartel-general do tráfico de drogas, escolas do crime, call center de estelionatos e central de achaques. Os 110 mil agentes penitenciários sofrem constantes ameaças e tentativas de suborno, alguns aceitam ou se sujeitam a prestar serviços para os chefões do tráfico. Coincidentemente, com o rodízio dos chefões nos presídios de segurança máxima, o tráfico de drogas cresceu exponencialmente no Norte do país. Está associado ao garimpo ilegal e já controla muitos rios de Amazônia, por onde se escoa a droga produzida nas selvas da Guiana Francesa, do Suriname, da Guiana, da Venezuela, da Colômbia, do Peru e da Bolívia.

Jungmann destaca que o gargalo principal é o fato de que o crime organizado no Brasil se internacionalizou e se tornou uma das principais agendas da sociedade, ao lado da saúde e da educação, mas o governo federal nunca teve competência constitucional para comandar a segurança pública, tarefa que cabe aos governos estaduais. Mesmo com a criação do Sistema Único de Segurança Pública, o Ministério da Justiça não comanda nem define a política de segurança implementada pelos estados no âmbito das polícias civil e militar.

Apesar dos meios digitais disponíveis, não existe cooperação e coordenação na escala necessária. A questão da segurança pública é tratada de forma populista por muitos governadores, e o resultado é o crescimento do tráfico, das milícias, da corrupção e da “territorialização” do crime organizado, que se “mexicaniza” no Brasil. Do ponto de vista político, a esquerda tem dificuldade de tratar do tema, porque contrapõe a defesa dos direitos humanos à segurança pública. Com isso, a bandeira da ordem acaba monopolizada pela extrema direita. A agenda da segurança pública passa por uma revisão da legislação antidrogas e a reforma do sistema prisional, além da reestruturação do sistema de segurança propriamente dito.

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