Nas entrelinhas: Ação entre amigos

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A libertação de José Dirceu é comemorada como a maior vitória do PT contra a Lava-Jato. A mesma situação pode se caracterizar em relação ao ex-presidente Lula

São notórias as ligações entre o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli e o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu (governo Lula), de quem foi subordinado e apadrinhado político. Por isso mesmo, não faltarão os que acusarão o ministro, que assumirá a presidência do Supremo em setembro, de julgar uma ação quando deveria se declarar impedido. Ontem, por iniciativa de Toffoli, a segunda turma do STF decidiu libertar o líder petista, por três votos a um.

Condenado a 30 anos e 9 meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa na Operação Lava-Jato, o petista já havia começado a cumprir a pena neste ano, mas a defesa recorreu ao Supremo da decisão do Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região. A libertação de José Dirceu corrobora a tese de que está em curso a decantação da Lava-Jato, que está sendo acelerada; nela, a segunda turma funciona como uma grande centrífuga.

A iniciativa de libertar José Dirceu foi acompanhada pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, foi o único a votar contra; Celso de Mello não participou do julgamento. Segundo Toffoli, há “plausibilidade jurídica” no recurso da defesa apresentado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de segunda instância. A pena de Dirceu pode ser reduzida no STJ e no próprio STF.

Toffoli havia negado um recurso da defesa de Dirceu apresentado em abril, para evitar a prisão. Na ocasião, o ministro adotou o entendimento do Supremo, que autoriza a detenção após a segunda instância, desde 2016. “À luz do princípio da colegialidade, tenho aplicado em regra o entendimento predominante na Corte a respeito da execução antecipada”, decidiu à época. Com a negativa do recurso, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela condenação em primeira instância, decretou a prisão do ex-ministro.

Ontem, Toffoli não somente mudou seu entendimento, como criou uma exceção, que pode ser aplicada também a outros casos individualmente. É o precedente com o qual conta a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para conseguir relaxar sua prisão, embora a decisão não caiba à segunda turma, porque Fachin remeteu o caso para o plenário do Supremo.

O ministro-relator da Lava-Jato, porém, perdeu sustentabilidade na turma. Ontem, pediu vista do caso Dirceu, mas acabou atropelado por Toffoli, que propôs a soltura em caráter provisório, acolhendo pedido de liminar da defesa. Se fosse aguardar o voto de Fachin sobre a ação, a decisão poderia ficar para agosto, já que, em julho, o STF entra em recesso, e a sessão desta terça era a última da segunda turma neste semestre.

Fachin chegou a alertar Toffoli de que a decisão seria contrária ao entendimento da maioria da Corte, mas Toffoli saiu pela tangente da exceção: “Jamais fundamentei contrariamente à execução imediata da pena pelo STF”. Onde passa boi, passa boiada. A decisão deve provocar uma enxurrada de recursos ao Supremo dos condenados na Lava-Jato que estão cumprindo pena. É possível que a decisão tenha repercussão na sessão do Supremo marcada para hoje.

Festa petista

A libertação do líder petista é comemorada como a maior vitória do PT contra a Lava-Jato. Recentemente absolvida pela segunda turma, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, comemorou a decisão da tribuna do Senado. “Quero registrar a liberdade do companheiro José Dirceu, que também tem enfrentado um calvário na sua vida. Também tem lutado contra o arbítrio do Judiciário, de processos eivados de vícios. E que, hoje, a segunda turma lhe fez justiça novamente, libertando-o da prisão, sem nenhuma restrição”, afirmou Gleisi.

O processo de Dirceu teve origem na investigação de irregularidades na Diretoria de Serviços da Petrobras. O petista foi acusado de receber dinheiro de empresas terceirizadas contratadas pela Petrobras, por meio de Milton Pascowitch, lobista e um dos delatores da Lava-Jato. A empreiteira Engevix, segundo as investigações, por meio de projetos junto à Diretoria de Serviços da Petrobras, teria celebrado contratos simulados com a JD Consultoria, empresa de Dirceu, e realizado repasses de mais de R$ 1 milhão por serviços não prestados.

Apesar das ponderações do Ministério Público Federal, a decisão da segunda turma não levou em conta o mérito das acusações, apenas o chamado “devido processo legal”, ou seja, o fato de a ação não ter ainda “transitado em julgado”. A mesma situação pode se caracterizar em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre pena de prisão em Curitiba por ter sido condenado em segunda instância.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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