Nas entrelinhas: A paz na Palestina ainda terá um longo caminho

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A guerra de Gaza mantém Netanyahu no poder, até a população se cansar. Também mantém o prestígio político, as fontes de financiamento e a revolta social que retroalimentam o Hamas

Após mais de um mês de negociações em sigilo, intermediadas por Catar e Estados Unidos, começou na sexta-feira a troca de reféns em poder do Hamas por prisioneiros palestinos em Israel. Foram libertadas inicialmente 24 pessoas, sendo 13 mulheres e crianças israelenses, 10 cidadãos tailandeses e 1 filipino em Gaza. Israel libertou 39 palestinos da Cisjordânia que já estavam presos, antes mesmo de a guerra começar, e iniciou a trégua de quatro dias na guerra de Gaza.

O grupo sob poder do Hamas em Gaza, desde os ataques terroristas de 7 de outubro, foi entregue à Cruz Vermelha, que coordenou a operação de travessia da fronteira entre Gaza e o Egito, pela cidade de Rafah. Recebidos por médicos e especialistas em comunicação com reféns, foram levados de volta ao território de Israel por helicópteros do exército. Os tailandeses e o filipino receberão atendimento médico antes de voltarem para seus países.

Nos próximos dias, outros reféns devem ser liberados, na base de três prisioneiros palestinos, menores de idade e mulheres, para cada refém israelense, num total que deve chegar a 150 palestinos por 50 israelense. A suspensão recíproca dos ataques, como resultado de negociações que duraram mais de 30 dias, é uma demonstração de que uma paz duradoura é possível se houver vontade política em torno de objetivos exequíveis. A criação do Estado Palestino exigirá negociações mais complexas e demoradas, mas continua sendo a condição para a paz definitiva.

O acordo de Paris para o fim da guerra do Vietnã, negociado entre o Vietnã do Norte e os Estados Unidos, resultou de quatro anos de negociações, após a ofensiva do Tet (Ano Novo Lunar) de 1968. Iniciadas em janeiro de 1969 e concluídas somente em 27 de janeiro de 1973, somente foram exitosas porque havia um ambiente interno nos Estados Unidos contra a guerra, uma correlação de forças internacional favorável, mesmo em meio à guerra fria, e a vontade política do conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos Henry Klissinger e do líder comunista Le Duc Tho. Ambos receberam o prêmio Nobel da Paz, mas o segundo recusou. Alegou que a paz não havia sido alcançada completamente.

Kissinger e Duc Tho foram artífices de negociações muito complexas. O primeiro cessar fogo ocorreu em 1972, quando os Estados Unidos se retiraram do Vietnã, em troca de libertação de 566 prisioneiros americanos preso em Hanoi. A segunda parte do acordo, a permanência dos governos do Norte e do Sul até as eleições, fracassou, porque as tropas do Vietnã do Norte permaneceram no Sul.

Em retaliação, o presidente Richard Nixon determinou o bombardeio de Hanoi e da cidade portuária de Haiphong, nas quais foram lançadas 100 mil bombas, o equivalente a cinco bombas nucleares. Mas as negociações continuaram e a reunificação do Vietnã acabou ocorrendo, após a autodissolução do exército do Vietnã do Sul.

Vontade política

Ao contrário do que aconteceu no Acordo de Paz de Paris, não há interlocutores em Israel e no Hamas interessados na paz duradoura, com a criação do Estado palestino, em troca de pleno reconhecimento do Estado de Israel, respectivamente. O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, já declarou que o cessar-fogo é uma “pausa breve” e os combatentes continuarão de “modo intensivo”, no mínimo dois meses. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou que as tropas do país continuarão em Gaza até “trazer de volta todos os reféns e liquidar o Hamas”.

Netanyahu pretende manter o controle definitivo sobre a Faixa de Gaza após as Forças de Defesa de Israel (FDI) eliminarem o Hamas. A libertação de reféns não deveria incentivar a continuação da guerra. O cessar-fogo deu ao Hamas mais tempo para se reorganizar e fazer mais exigências nas negociações para libertar os 190 que ainda permanecem em seu poder, o que vai aumentar a pressão das famílias e dos Estados Unidos sobre Netanyahu.

Hahaha Sinwar, comandante do Hamas em Gaza, tenta ganhar tempo com o argumento de que precisa ainda localizar os demais reféns, que estariam distribuídos entre diversas facções. Sinwar retornou a Gaza em 2011, libertado na troca de mil prisioneiros pelo soldado israelense Gilad Shalid, depois de 23 anos preso. Seis anos depois, foi eleito para chefiar o território, cargo que ocupa indefinidamente.

Os jovens palestinos libertados na sexta-feira foram recebidos como heróis e não escondiam a gratidão ao Hamas. Os 14 mil palestinos civis mortos, dos quais 10 mil são mulheres e, principalmente, crianças, são tratados como mártires da independência da Palestina, muito mais do que vítimas de uma guerra insana, iniciada por uma ação terrorista do Hamas.

A guerra manterá Netanyahu no poder, até a população se cansar. Também manterá o prestígio político, as fontes de financiamento e a revolta social que retroalimenta o Hamas. Defendida pelos Estados Unidos e pela União Europeia, a solução de dois Estados é a única possível para o conflito, mas está muito longe de ser alcançada. Netanyahu não aceita a criação do Estado palestino, assim como o Hamas, apoiado pelo Irã, não reconhece o Estado de Israel.