“Se o governo é liberal e bem-sucedido na economia, em áreas como educação, cultura e direitos humanos adotou uma orientação de ultradireita que o puxa para baixo”
O primeiro ano do governo praticamente acabou, pois o presidente Jair Bolsonaro já está em férias na base naval de Aratu, na Bahia, e nada demais deve acontecer em termos políticos e administrativos. Qual é o balanço a ser feito sobre sua gestão e a situação do país, que são coisas que se combinam? Diria que é uma situação do tipo “copo pela metade”. Os otimistas dirão que está quase cheio, principalmente em razão da economia e da inexistência de escândalos de corrupção (não é pôr a mão no fogo, mas o único problema de Bolsonaro é o caso Queiroz, que não o atinge diretamente, mesmo que venha a ser envolvido, por ser anterior ao exercício do mandato). Os pessimistas verão o copo quase vazio, por causa da política externa e dos disparates da ala ideológica do governo, principalmente na educação, na cultura, nos direitos humanos e no meio ambiente, que a maioria dos analistas aponta como ameaças à democracia no Brasil.
É um diagnóstico que precisa ser equalizado de forma objetiva. Sim, houve avanço na economia, com a política liberal do ministro Paulo Guedes, que injetou otimismo no mercado (a Bolsa de Valores de São Paulo é um indicador seguro desse otimismo). Há lenta retomada do crescimento e geração de emprego em escalas modestas, mas continuadas. Os juros continuam em queda e já são os mais baixos da história do Real. Para comércio e consumidores, foi o melhor Natal desde 2014. Convém destacar que nada disso estaria ocorrendo sem a aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso. Houve empenho de Guedes para que isso ocorresse, portanto, lhe cabe mérito, mas os grandes artífices da aprovação da reforma foram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), e o ex-deputado tucano Rogério Marinho (RJ), secretário especial de Previdência e Trabalho, o negociador de Guedes.
Ainda nesse quesito, o governo tem um dever de casa por fazer: o ajuste fiscal na administração federal, pois o deficit orçamentário da União continua e as reformas emergencial, administrativa e patrimonial ficaram pelo caminho. O ambicioso pacote enviado ao Congresso, neste final do ano, tem esse objetivo, mas estava descosturado politicamente, com muitos jabutis e algumas jabuticabas. Se não for refinado, não será aprovado num ano eleitoral como o próximo. O que mais atrapalhou o governo no primeiro ano de mandato de Bolsonaro foram os embates ideológicos. Se o governo é liberal e bem-sucedido na economia, em áreas como educação, cultura e direitos humanos adotou uma orientação de ultradireita que o puxa para baixo. Por seu caráter reacionário, até mesmo setores conservadores que apoiam o governo não escondem o constrangimento que passam diante de certas atitudes fundamentalistas.
Febeapá
Em alguns casos, a vida se encarregou de neutralizar os efeitos negativos de decisões intempestivas ou equivocadas de Bolsonaro; em outros, não. Na primeira situação, temos a política externa, de alinhamento automático com Donald Trump e alguns líderes de extrema direita no mundo, como Viktor Orbán, premier da Hungria. Bolsonaro trombou com a China, com os países árabes, com a França e com a Alemanha. Mantém-se a narrativa templário-bizantina do chanceler Ernesto Araujo, mas Bolsonaro recuou em relação a árabes e chineses. A mesma coisa deve ocorrer com a Argentina, nosso maior importador de produtos industrializados. Entretanto, o contencioso com a Europa permanece, por causa do meio ambiente.
A propósito, no curto prazo, o que deu mais prejuízo ao Brasil neste primeiro ano de governo foi a desastrosa política para o meio ambiente, externa e internamente. O país sempre teve problemas ambientais, inclusive queimadas e desmatamento, mas se esforçava para enfrentá-los. Ao assumir, Bolsonaro sinalizou um liberou geral para grileiros, desmatadores e garimpeiros. O resultado, todos conhecem. A longo prazo, talvez o maior prejuízo seja nas áreas da educação e da cultura, nas quais vivemos um permanente “febeapá”, como diria o falecido Sérgio Porto, na antológica coluna do Stanislau Ponte Preta. Um novo festival de besteira assola o país, com o agravante de que os prejuízos “imateriais” nessas duas áreas somente poderão ser mensurados com o passar dos anos.
Para finalizar esse breve balanço, a questão dos direitos civis. Em razão dos indicadores de violência, embora os índices de homicídios venham caindo, e da crise ética na política, estamos vivendo um ciclo de endurecimento de penas e de recrudescimento do uso desmedido da força pelo Estado, além da adoção de medidas que afrontam os direitos de defesa e das minorias. Nesse sentido, muitos temem pelo futuro da democracia. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), com todas as suas contradições, tem atuado de forma contra-majoritária, e exerce seu poder moderador em defesa da Constituição de 1988. O que está mesmo fora de controle é a venda de armas, que explodiu; nesse aspecto, Bolsonaro abriu as portas do inferno para os demônios da força bruta, inclusive na política.
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