“O bolsonarismo tem certos antecedentes históricos, mas é um fenômeno único, que não seria possível sem a quebra de paradigmas da política, a crise ética e a emergência das redes sociais”
Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com o presidente Jair Bolsonaro. A característica mais marcante de seu primeiro ano de mandato é a coerência com o discurso de campanha. Esse entendimento vale para seus apoiadores e para a oposição. Pela primeira vez, temos um governo assumidamente de direita, que tirou do armário uma parcela do eleitorado que andava enrustida e desorganizada, mas que agora se articula nacionalmente, em torno do clã Bolsonaro, e está constituindo um novo partido, a Aliança pelo Brasil, que já conta com 100 mil filiados.
Uma direita orgânica, de caráter nacional, sem vergonha de mostrar a própria cara, é um fenômeno raro no Brasil. Temos a Ação Integralista Brasileira, de Plínio Salgado, na década de 1930, liquidada por Getúlio Vargas, no Estado Novo, após uma tentativa frustrada de tomada do poder, em 1938. A antiga UDN era mais heterogênea, surgiu como uma frente democrática, em São Paulo, inclusive com a participação dos comunistas, antes de se transformar no partido conservador e golpista que marcou a Segunda República. A vertente da UDN mais próxima do bolsonarismo foi o lacerdismo, no Rio de Janeiro, um movimento da classe média carioca liderado pelo então governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda. Na transição à democracia, o que mais poderia se aproximar do bolsonarismo é o malufismo, um fenômeno paulista, em decorrência da penetração popular do ex-governador Paulo Maluf, que nunca teve um caráter orgânico nem nacional.
Podemos concluir que o bolsonarismo tem certos antecedentes históricos, mas é um fenômeno único, que não seria possível sem a quebra de paradigmas da política, a crise ética e a emergência das redes sociais. Sem isso, não seria possível a Jair Bolsonaro ter feito com êxito um movimento contrário ao de seus antecessores, que buscaram apoio político entre as forças do centro, como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, pela via dos governos de coalizão. Bolsonaro desprezou as alianças partidárias, prestigiou apenas os setores do Congresso que o apoiaram nas eleições, como evangélicos, ruralistas e a “bancada da bala”. Desprezou até mesmo o partido pelo qual se elegeu, o PSL, que contava com a segunda maior bancada na Câmara, com 41 deputados, muitos dos quais policiais e militares.
A criação da Aliança pelo Brasil é uma jogada que não deve ser subestimada, pois visa à criação de um partido de massas, de caráter nacional, com uma doutrina reacionária e ligações internacionais. De certa forma, essa foi a decisão mais audaciosa que Bolsonaro tomou no plano estritamente político, nesse primeiro ano de mandato. É uma aposta estratégica para a sua própria reeleição. Sua base social é formada pelos segmentos que o apoiam incondicionalmente, como militares, policiais, caminhoneiros, garimpeiros, evangélicos pentecostais, ruralistas e milicianos. Não formam a maioria do eleitorado, mas têm grande capacidade de mobilização e identidade programática com a nova legenda.
Lava-Jato
É para esses segmentos que a ala ideológica do governo trabalha, mas é um erro supor que somente esses setores estão sendo atendidos pelo governo. O meio empresarial aposta no sucesso de Bolsonaro, por causa da política ultraliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes; e também setores de classe média, insatisfeita com a violência urbana e a crise ética na política. São setores que não têm a mesma afinidade ideológica com Bolsonaro, mas foram decisivos para sua eleição por causa do seu antipetismo. É com essas forças que Bolsonaro conta para neutralizar a oposição no Congresso e na opinião pública. Graças a isso, vem mantendo a avaliação de seu governo na faixa dos 30% de bom e ótimo, 32% de regular e 36% de ruim e péssimo. Se o governo não descarrilar, isso significa presença garantida no segundo turno das eleições.
Quanto a isso, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, passou a ser uma peça-chave no jogo político, pois encarna a bandeira da ética no governo, mas goza de mais prestígio popular do que Bolsonaro e com ele vem tendo uma relação cada vez mais conflituosa. A questão que mais tensiona a relação entre ambos é o caso Fabrício Queiroz, uma investigação que envolve o senador Flávio Bolsonaro (RJ), filho do presidente da República, de quem era assessor parlamentar. No momento, o maior estresse entre ambos ocorre porque Bolsonaro não vetou a criação pelo Congresso do chamado “juiz de garantia”, que Moro critica, porque, no seu entendimento, favoreceria a impunidade para os crimes de colarinho branco. Defendida por advogados e a maioria dos políticos, a medida é polêmica e enfrenta forte oposição de procuradores e juízes de primeira instância, com o agravante de que teria havido um acordo com o governo no Senado para que a proposta fosse vetada, em troca da aprovação ainda neste ano do pacote anticrime negociado na Câmara.
O assunto esquentou no final do ano porque dois partidos, Podemos e Cidadania, questionam a constitucionalidade da nova lei no Supremo Tribunal Federal (STF), que também está sendo muito pressionado pela opinião pública. A mesma pesquisa Datafolha divulgada ontem mostra que 39% dos consultados avaliam a atuação do Supremo como ruim ou péssima, enquanto somente 19% dos brasileiros a consideram ótima ou boa. Para 38%, o trabalho da Corte é regular; outros 4% disseram não saber avaliar.Também há insatisfação com o Congresso, que tem 14% de bom/ótimo, 38% de regular e 45% de ruim/péssimo.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…