Master, ameaça sistêmica à superestrutura financeira e jurídica do país

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Ao entrar no coração de uma crise bancária ainda em investigação, o STF corre o risco de ser associado não à solução, mas à amplificação do problema

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para suspender a acareação determinada no caso do Banco Master e manteve a audiência entre o dono do Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Paulo Henrique Costa e o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton de Aquino. Esse procedimento é utilizado em investigações policiais e processos judiciais para confrontar pessoas que apresentaram versões diferentes sobre os mesmos fatos.

A PGR concordou que a acareação até poderia ser feita, em momento que pudesse, de fato, ser útil às investigações. Não é um caso trivial. O Banco Master é um iceberg que coloca em risco a estabilidade e a confiança no sistema financeiro brasileiro, fundamental para a estabilidade da economia desde a adoção do Proer. A questão suscita questionamentos éticos em relação aos ministros do STF envolvidos no caso e desgasta a mais alta Corte do país. Isso fragiliza o coração dos sistemas jurídico e financeiro do país: o Supremo e o Banco Central.

A acareação, apesar da resistência da PGR, projeta seus efeitos sobre dois pilares centrais da ordem institucional brasileira: a imagem do Supremo Tribunal Federal e a confiança no sistema financeiro regulado pelo Banco Central. Pela envergadura do problema, que envolve bilhões e bilhões e as principais instituições financeiras do país, o caso se tornou um risco sistêmico. De ofício, sem provocação da Polícia Federal ou da PGR, a acareação envolve os dois investigados centrais, o banqueiro Daniel Vorcaro e o ex-presidente do BRB Paulo Henrique Costa e alto funcionário da autoridade supervisora, Ailton de Aquino, que não é investigado.

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Do ponto de vista estritamente processual, a decisão é defensável. Do ponto de vista institucional, porém, ela desloca o Supremo para o epicentro de uma crise na qual se cruzam investigação criminal, regulação financeira e expectativas de estabilidade sistêmica. O caso Master já produziu um abalo no sistema financeiro ao consumir cerca de R$ 41 bilhões do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

Cerca de 1,6 milhão de investidores do Master, que detém R$ 41 bilhões em depósitos bancários (CDBs), deverão ser ressarcidos. O Fundo Garantidor de Créditos (FGC) tem R$ 122 bilhões em recursos líquidos. Foi o maior resgate da história do FGC, superando com folga episódios emblemáticos do passado, como os do Bamerindus, do Banco Nacional e do Banco Econômico, que também foram liquidados. A opção do então presidente Fernando Henrique Cardoso foi blindar o sistema financeiro de ingerências políticas. Inclusive quando o protagonista foi ninguém menos do que o falecido senador Antônio Carlos Magalhães, presidente do Senado, no caso do Econômico; nos demais, estavam envolvidos um banqueiro que era ministro de seu governo (Bamerindus) e a família de sua nora, os Magalhães Pinto (Nacional).

Guardião de regras

Antes do Master, o maior resgate do FGC havia sido o do Banco Bamerindus, que somou R$ 3,7 bilhões em 1997, o equivalente a R$ 19,6 bilhões em valores corrigidos pela inflação. Agora, no caso Master, embora o Banco Central tenha conseguido cumprir seu papel e evitar o contágio imediato do sistema financeiro, o episódio revela fragilidades profundas na supervisão e na interação entre mercado, política e regulação. É nesse ponto que o Supremo vai para o olho do furacão, como ator direto numa crise que envolve relações entre bancos, autoridades reguladoras e redes de influência política. A simples presença de ministros — ainda que indireta ou pretérita — gera uma percepção corrosiva. Mesmo não havendo ilegalidade comprovada, existe erosão de imagem.

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O risco não se manifesta na quebra de confiança entre investidores, reguladores e intermediários. A credibilidade do Banco Central está na sua autonomia técnica, previsibilidade regulatória e capacidade de agir tempestivamente, num mercado que é autorregulado. É verdade que a intervenção foi tardia, porém essa demora não deve ser discutida à sombra de pressões políticas e decisões judiciais atípicas. A consequência deixa de ser financeira e se torna institucional.

Nos anos 1990, o Proer nasceu justamente para preservar a confiança no sistema de pagamentos, separando banco bom de banco ruim, socializando custos de forma transparente e penalizando controladores. No caso Master, embora a liquidação extrajudicial tenha seguido o rito formal, a percepção pública é de que o BC demorou a agir e que agora está sob holofotes políticos e judiciais. O Supremo se desgasta porque se coloca como árbitro de conflitos que extrapolam sua função constitucional. Ao entrar no coração de uma crise bancária ainda em investigação, o STF corre o risco de ser associado não à solução, mas à amplificação do problema. É o guardião de regras, não protagonista de caso que exige discrição técnica e coordenação institucional.

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Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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