Vem aí outro toma lá dá cá no Congresso, que mira as eleições municipais. Nada a ver com uma saída para o impasse nacional
Numa roda de jornalistas, ontem, no cafezinho do Senado, Marco Aurélio Costa, o ex-proprietário do Piantella — restaurante de Brasília muito frequentado por políticos, que nos melhores tempos serviu de quartel-general de Ulysses Guimarães (PMDB-SP) —, contava “causos” de gastronomia e política. Num deles, ao lamentar o impasse político em que o país se encontra, relatou como o líder tucano Mario Covas selou o destino do parlamentarismo na Constituinte.
Foi durante um jantar na casa de Ulysses Guimarães, que presidia a Constituinte. O líder da campanha das Diretas Já propôs um acordo com o presidente José Sarney, que reivindicava seis anos de mandato para apoiar a proposta. Embora fosse programaticamente a favor do parlamentarismo, Covas rejeitou o acordo. O resultado todos conhecem: Sarney teve o mandato reduzido para cinco anos e as eleições diretas para a Presidência da República foram convocadas para 1989.
Tanto Ulysses quanto Covas sonharam alcançar o Planalto, foram candidatos nas eleições e acabaram ultrapassados por outros personagens que emergiram na transição à democracia como líderes políticos nacionais: o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que venceu as eleições, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou ao segundo turno. Ao contrário dos dois caciques da oposição, os demais personagens ainda estão aí, vivíssimos.
O “causo” de Marco Aurélio ilustra bem o que podemos chamar de “janela da história”, uma oportunidade de mudar o seu rumo, que pode ser aproveitada ou não. No caso em questão, as idiossincrasias dos políticos tiveram mais peso do que seus projetos político-programáticos e, por essa razão, a melhor oportunidade de implantar o regime parlamentarista foi desperdiçada.
Quando o assunto voltou à pauta, em 1993, o plebiscito que havia sido estabelecido pela própria Constituinte rechaçou o parlamentarismo e, também, a volta da monarquia, uma proposta diversionista. O impeachment de Collor de Mello já havia ocorrido e o “presidencialismo de coalizão” que resultou da nova Constituição seguia seu curso, com o governo Itamar Franco. Com a emenda da reeleição, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o presidencialismo foi até revigorado. Mais uma vez a idiossincrasia falou mais alto do que o projeto programático.
Essa conversa de cafezinho sobre o parlamentarismo veio à baila por causa do impasse em que se encontra o país, com a crise tríplice do governo Dilma Rousseff: econômica, política e ética. Há uma situação de “empate técnico”, digamos assim, entre o governo e a oposição. Apesar da impopularidade da presidente da República e dos elevados índices de desaprovação de seu governo em todas as áreas, Dilma ainda tem três anos de mandato e uma caneta cheia de tinta para utilizar o enorme poder do Estado brasileiro contra os adversários. É só por isso que se mantém no cargo.
Toma lá dá cá
A oposição patina também porque não sabe exatamente o que pretende. Uma ala defende o impeachment de Dilma, outra sonha com a sua cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Cada vez mais enfraquecido, por causa da Lava-Jato, o PT acusa ambas as propostas de golpistas. Tenta ganhar tempo para sair da encalacrada em que entrou com o escândalo da Petrobras. O PMDB, com um pé no governo e outro na oposição, ganha tempo e mantém as aparências de unidade em torno do vice-presidente Michel Temer, às vésperas de sua convenção nacional.
Como em toda grande crise, ninguém sabe o que vai acontecer e os sintomas mórbidos aparecem. Um deles é a metástase do escândalo da Petrobras, que também ameaça chamuscar figuras da oposição. Outro é uma espécie de “unidade dos contrários” entre Dilma e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A presidente da República ganha tempo contra a proposta de impeachment devido às manobras do peemedebista para evitar a própria cassação pelo Conselho de Ética da Casa. Cunha, por sua vez, aposta no impeachment para se manter no cargo.
O prolongamento da crise pode abrir uma janela de oportunidade para uma emenda parlamentarista, que resulte num regime presidencialista híbrido, como o português ou o francês. Volta e meia surge essa ideia no Senado. Seria uma maneira de preservar o mandato de Dilma e algumas de suas atribuições de Estado; ao mesmo tempo, permitiria que o Congresso formasse um governo de salvação nacional para enfrentar a crise. A proposta, porém, não prospera.
Do ponto de vista prático, o presidente do Senado, Renan Calheiros, também enrolado na Lava-Jato, está mais preocupado com outra janela: aquela que abre um prazo de 30 dias para que os políticos possam trocar de partido sem perder o mandato. Ontem, decidiu que vai promulgá-la ema 18 de fevereiro, ou seja, na semana seguinte ao carnaval. Vem aí outro toma lá dá cá no Congresso, que mira as eleições municipais. Nada a ver com uma saída para o impasse nacional.