Entrelinhas: Boulos escapou da armadilha de Thatcher

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A greve dos metroviários refletiu a disputa no PSol, que, no fim de semana, resultou em pancadaria entre “trotskistas” e “leninistas” no congresso da legenda

Com a greve dos metroviários de São Paulo e dos funcionários da Sabesp, a empresa paulista de saneamento — promessa de campanha do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR) —, o candidato do PSol à Prefeitura de São Paulo, deputado Guilherme Boulos, quase caiu numa armadilha política, na qual os grandes beneficiados seriam o prefeito Ricardo Nunes (MDB), postulante à reeleição, e a deputada federal Tabata Amaral (PDT), também candidata de oposição.

Como o governador paulista não pretende recuar do projeto de privatização, o que seria renegar um compromisso eleitoral, a situação de Boulos estava muito difícil, por causa do desgaste que a greve lhe acarretava, em função dos transtornos à vida dos paulistanos. Liderada por sindicalistas do PSol, a greve refletia a disputa interna na legenda de Boulos, que no fim de semana resultou em pancadaria entre “trotskistas” e “leninistas” da legenda. Depois do congresso, Valério Arcary (ex-Convergência Socialista e PSTU) e o ex-deputado Milton Temer (ex-PCB e PT) continuaram se digladiando, com sinais trocados, mas por escrito: curiosamente, Temer está à esquerda de Arcary.

Leon Trotsky foi um dos companheiros de Vladimir Ilich Lênin na Revolução Russa de 1917. Líder da oposição de esquerda bolchevique, depois da morte de Lênin, foi expurgado do Partido Comunista por Joseph Stálin, o líder do Partido Comunista da antiga União Soviética na Segunda Guerra Mundial. Trotsky defendia uma “revolução mundial” e considerava a “construção do socialismo num só país”, como queria Stálin, o limiar de uma restauração capitalista.

E a armadilha de Margareth Thatcher? Em meados da década de 1980, a primeira-ministra britânica resolver levar adiante as privatizações das empresas estatais e promover um grande ajuste fiscal no “estado de bem-estar social” edificado pelos trabalhistas no pós-Segunda Guerra Mundial. O maior obstáculo que enfrentou foi a greve dos mineiros. Eles eram 200 mil operários, espalhados por 130 minas de carvão, e constituíam um dos mais poderosos grupos de pressão da política britânica. Hoje, não passam de 1.800, nas seis minas que permanecem abertas. Foram reduzidos à fuligem depois de 16 meses de greve, entre 1984 e 1985, que terminaram sem nenhum acordo.

A derrota do mais poderoso sindicato do Reino Unido foi um catalisador do programa neoliberal de Thatcher e o primeiro passo para a revisão dos direitos trabalhistas. As mudanças na economia resultaram em alterações profundas na mineração, na siderurgia e nas manufaturas de um modo geral. A classe operária britânica iniciava o seu declínio como ser social e político. Um dos momentos mais dramáticos da greve foi a chamada “Batalha de Orgreave”, quando milhares de grevistas e policiais se enfrentaram.

Margareth Thatcher ficou muito desgastada politicamente, pela forma dura como tratou o episódio e pelos transtornos vividos pelos britânicos, principalmente no inverno, mas não recuou. A volta por cima foi a Guerra das Malvinas (Falklands, na nomenclatura britânica), quando a popularidade de Thatcher chegou ao auge, por decidir tomar de volta o arquipélago do Atlântico Sul que os argentinos haviam ocupado e reivindicam até hoje.

Politização

A greve dos funcionários do Metrô e CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e dos funcionários contra as privatizações foi imediatamente politizada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas: “Infelizmente, aquilo que a gente esperava está se concretizando. Temos uma greve de metrô, CPTM e Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Uma greve ilegal, abusiva, claramente política. Uma greve que tem por objetivo a defesa de um interesse muito corporativo”, declarou.

Nesta terça-feira, a capital paulista amanhecera caótica. As linhas 1,2,3 e 15, operadas pelo Metrô foram completamente paralisadas. Funcionaram apenas as linhas 4 e 5, concedidas à iniciativa privada, mas superlotadas. No caso da CPTM, estavam paradas três das cinco linhas. Operavam parcialmente as linhas de trens 7 e 11, mas nenhuma faz o trajeto completo e têm intervalos maiores de espera. As linhas 8 e 9, também privatizadas, mantiveram operação.

Tarcísio acusou os sindicatos de desrespeitarem a decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), de sexta-feira, que proibiu a greve total dos trabalhadores do Metrô. Deveria ser assegurada a circulação da frota de 100% dos trens nos horários de pico (das 6h às 9h e das 16h às 19h) e 80% nos demais períodos, sob pena de multa de R$ 500 mil.

No final da tarde, os trabalhadores da Sabesp anunciaram o fim da greve, mas os metroviários ainda pretendiam continuar. Presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Camila Lisboa rebatia, em transmissão pelas redes sociais, as declarações do governador. Segundo a líder sindical, a privatização dos serviços do Metrô, trens e da Sabesp já está em andamento, e não apenas em fase de estudos.

Como Tarcísio não vai desistir das privatizações, o desgaste da greve com a população recairia muito mais sobre Boulos. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, aliado do governador, acertou o seu principal adversário, Boulos, ao atirar nos grevistas. O prefeito também havia se desgastado, por se aproximar do ex-presidente Jair Bolsonaro, com quem tirou fotos num almoço. Agora, foi a vez do desgaste d candidato do PSol, que tenta conquistar os eleitores de centro que não votaram em Bolsonaro na capital paulista, onde Lula e Haddad venceram as eleições. Quem assistiu de camarote foi Tabata Amaral, candidata à terceira via nas eleições para a Prefeitura de São Paulo. A saída de Boulos foi acabar com a paralisação rapidinho. Era a greve errada, no local errado e na hora errada.