Crédito: Fellipe Sampaio/STF
O ministro do Supremo questionou a dosimetria das penas, a validade da delação premiada de Mauro Cid e o enquadramento a priori de todos os réus nos mesmos crimes
Ao votar na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira, a favor do relatório do ministro Alexandre de Moraes, que acolheu a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete acusados de tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, o ministro Luiz Fux fez um novo contraponto ao entendimento da maioria dos colegas e, enigmático, anunciou que fará uma interpretação “dialética” do processo contra os oito réus, entre os quais o ex-presidente e quatro oficiais generais.
Fux também votou a favor da transformação dos acusados do 8 de janeiro de 2023 em réus. São eles Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e os generais de Exército Augusto Heleno, ex-ministro do GSI; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da defesa; e Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, além de Bolsonaro e do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência do Mauro Cid, que fez delação premiada.
Leia também: Bolsonaro não explica razões para analisar medidas extremas
No seu voto, Fux fez referência ao seu pedido de vistas do processo contra a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, também na 1ª Turma, por participação nos atos golpistas de 8 de Janeiro. Ela foi reconhecida após vandalizar o monumento A Justiça, no qual escreveu “perdeu, mané” com o batom. Moraes apresentou um relatório no qual propõe a pena de 14 anos para Débora, que está presa preventivamente. O julgamento estava dois a zero, com o voto do ministro Flávio Dino, quando foi suspenso.
Entretanto, Fux deixou muito claro que pretende interpretar os fatos de maneira circunstanciada e “dialética” quanto à culpabilidade de cada réu no decorrer do processo. Descartou uma posição definida em relação à igual participação dos acusados na conspiração golpista, como um grupo organizado e coeso. No início do julgamento, na terça-feira, já havia questionado o fato de o caso ser julgado na Turma e não no plenário da Corte, e ainda levantou dúvidas sobre a legalidade da delação premiada do coronel Mauro Cid.
Na sua essência, o voto de Alexandre de Moraes segue a tradição positivista. Essa doutrina entende o Direito como um conjunto de normas criadas por autoridade legítima, válidas independentemente de seu conteúdo moral. O foco é na lei posta (ius positum), e não em princípios éticos ou naturais: “O que importa é o que está escrito na lei, não o que se acha justo”. Esse entendimento predomina na Justiça brasileira desde a Constituição de 1891, logo após a Proclamação da República, que adotou o lema positivista na bandeira: “Ordem e Progresso”.
Negação da negação
No Judiciário e nos concursos públicos, o positivismo está muito presente. Juízes quase sempre tomam decisões com base estrita na letra da lei; valoriza-se muito o direito codificado, sobretudo as regras do “devido processo legal”, às vezes, mais até do que o mérito, como aconteceu na Lava-Jato. A lógica formal é que prevalece. Hoje, esse positivismo jurídico é criticado por aplicar a lei de forma mecânica e ignorar contextos sociais, históricos ou desigualdades.
Leia ainda: Como os ministros votaram no julgamento da denúncia contra Bolsonaro
Depois da Constituição de 1988, houve um movimento para superar o positivismo rígido como fonte principal do Direito, juízes passaram a ter mais liberdade e responsabilidade; ganharam força os argumentos morais e sociais. E de onde vem a tal “dialética” do ministro Fux? Sua origem é o método criado pelo filósofo grego Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C.), discípulo de Platão (A República), que foi desenvolvido pelo idealismo de Friedrich Hegel (1770-1831) e, depois, pelo materialismo de Karl Marx (1818-1883). Todos buscaram explicar o movimento, a transformação e o desenvolvimento da natureza, da sociedade e do pensamento.
As “leis da dialética” são a unidade e luta dos contrários, pares de opostos que estão em constante tensão e interação, o que impulsiona a mudança; a transição da quantidade em qualidade (quando atinge um certo limite, ocorre uma transformação qualitativa, como a água aquecida ou congelada); e a negação da negação (negação não é simples destruição, é uma superação que conserva aspectos do que foi negado (“aufhebung”, em alemão).
No julgamento de Bolsonaro e os seus auxiliares há uma tensão essencial entre acusação e defesa, entre direito positivo e justiça material, entre lei escrita e interpretação. Para Fux, a verdade surgirá da confrontação dialética entre as partes contrárias. Pequenas decisões, provas ou interpretações vão se acumular e, em certo ponto, isso pode alterar qualitativamente a percepção do caso.
O ministro Fux questionou a dosimetria das penas, a validade da delação premiada do coronel Mauro Cid e o enquadramento a priori de todos os réus nas mesmas acusações: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombados, crimes sujeitos a penas superiores a 14 anos. Na dialética do direito penal, uma decisão judicial pode negar uma interpretação anterior, mas essa nova posição preservará elementos do passado enquanto os supera. A negação da negação do direito é necessária para o restabelecimento da ordem jurídica violada.
Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo
Golpistas devem ser punidos de acordo com seus crimes. Entretanto, a ideia de que a…
Segundo as normas do TSE, o uso de inteligência artificial deve estar explicitado nas campanhas…
Presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin marcou para hoje a continuidade do julgamento, que…
Eduardo, o filho 03 de Jair Bolsonaro, atua com o propósito de construir uma crise…