Conciliação ou ruptura: o dilema diante da anistia de Bolsonaro

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A oposição aposta no desgaste do Supremo e na mobilização de sua base para pressionar o Congresso a aprovar uma anistia para Bolsonaro e demais acusados de tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023

Pela primeira vez, um ex-presidente da República e oficiais-generais das Forças Armadas estão sendo julgados pelo crime de tentativa de golpe de Estado, no Supremo Tribunal federal (STF), a justiça civil. Trata-se de uma ruptura com a tradição conciliatória, que marcou a trajetória política nacional, em que anistias funcionaram como válvulas de escape em períodos de crise. Entretanto, apenas adiaram novas tentativas de golpes e, também, golpes bem-sucedidos, numa ciranda que resultou em 21 anos de ditadura militar na segunda metade do século passado .

Ao longo da República, várias anistias foram concedidas em momentos de transição, cada qual com sua especificidade casuística. As mais amplas e importantes foram a de 1945, ao final do Estado Novo, quando Getulio Vargas permitiu a reorganização política e a volta do Partido Comunista, que, dois anos, depois seria novamente proscrito, no governo Dutra. E a de 1979, que marcou a abertura política do regime militar, ao libertar presos políticos e permitir a volta dos exilados, ao mesmo tempo em garantiu a torturadores e agentes da repressão a impunidade, os proventos e as honrarias recebidas.

Na Nova República, anistias parciais a militares, servidores e grevistas reiteraram a lógica da pacificação em detrimento da responsabilização. Essa tradição de conciliação, vista por alguns como virtude nacional, consolidou a impunidade das elites políticas e militares, e manteve viva uma cultura golpista latente, que parecia sepultada no pacto entre governo e oposição para pacificação do país com a retirada dos militares do poder. A recidiva dessa cultura emergiu no governo Bolsonaro e culminou na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

A proposta de anistiar os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, quando milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro depredaram as sedes dos Três Poderes, contestando o resultado eleitoral e defendendo a instalação de uma ditadura, porém, não tem nada de conciliadora. Está sendo articulada como um novo patamar da escalada de radicalização política, catalisada pelo julgamento do ex-presidente e anabolizada pelo tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro, seu aliado de primeira hora.

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Na mesma semana em que o julgamento de Bolsonaro e mais sete acusados de tentativa de golpe começou, as articulações a favor da anistia se intensificaram. Ao mesmo tempo em que representantes do governo norte-americano mandavam recado por empresários brasileiros de que a solução para o tarifaço estava no Brasil e não na Casa Branca, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, assumia a linha de frente das articulações da anistia, com o argumento de que não houve tentativa de golpe, Bolsonaro é inocente e o Supremo não é confiável.

Governo e Supremo reagem

Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva piscou. Advertiu para os riscos institucionais desse movimento em conversas com comunicadores e durante reunião com Davi Alcolumbre (União-AP), presidente do Senado. Reiterou que a anistia aos golpistas fere a democracia e a soberania nacional. Lula destacou que o Congresso, embora tenha colaborado com o governo em pautas econômicas e sociais, ainda é fortemente influenciado pela extrema-direita, que busca transformar o perdão em bandeira política contra o Supremo.

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O governo se movimenta para tirar de pauta a anistia, enquanto um projeto de lei de redução das penas para os envolvidos no 8 de janeiro que cometeram crimes de menor gravidade está sendo articulado no Senado.. Aliado de Lula, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Otto Alencar (PSD-BA), já anunciou que engavetará o projeto de anistia caso seja aprovado pela Câmara.

Os ministros do Supremo também sinalizam que, dificilmente, aceitariam uma anistia desse tipo. O artigo 5º, inciso XLIV, da Constituição, estabelece que é imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. Além disso, o precedente do indulto de Daniel Silveira — concedido por Bolsonaro em 2022 e anulado pelo STF — reforça a tese de que não cabe clemência a crimes contra a democracia.

Em entrevista, o ministro Alexandre de Moraes destacou que o tribunal já analisou 1.630 ações penais relacionadas ao 8 de Janeiro, com 683 condenações, 554 acordos de não persecução penal e apenas 11 absolvições. O dado demonstra tanto a gravidade da ofensiva golpista quanto a capacidade de resposta institucional. Pesquisas Datafolha e Quaest indicam que a maioria da sociedade rejeita qualquer forma de perdão aos golpistas.

Ainda assim, a oposição aposta no desgaste da Corte e na mobilização de sua base social para pressionar deputados e senadores. O Centrão flerta com a proposta e avalia se o seu custo político é compensado por vantagens eleitorais e orçamentárias. A anistia surge como antessala de uma crise institucional. Se aprovada pelo Congresso, dificilmente sobreviverá ao crivo do STF. Se rejeitada, representará um revés simbólico para Bolsonaro e seus aliados, consolidando a responsabilização como marco da democracia brasileira. Nesse caso, o país se afasta do velho padrão de conciliação que alimentou sucessivos ciclos golpistas. Mas a radicalização será ainda maior na disputa eleitoral de 2026.

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Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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