Argentina, China e EUA

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As relações do Brasil com os três países estão sob estresse político, provocado por declarações inamistosas e de cunho ideológico do presidente Bolsonaro e dos seus filhos

Vamos começar pela Argentina, que ontem perdeu seu maior ídolo, o ex-jogador Diego Maradona, cujo prestígio entre nós era tão grande que a velha rivalidade entre as torcidas brasileira e argentina perde qualquer sentido diante da sua genialidade e importância para o futebol mundial. Aliás, essa rivalidade, do ponto de vista geopolítico, perdeu o sentido desde a Guerra das Malvinas, quando os Estados Unidos, o aliado principal dos argentinos, apoiaram os ingleses, que recuperaram o arquipélago depois de impor dura derrota militar aos nossos vizinhos.

Ao contrário do que imaginava o presidente da Argentina, o general Leopoldo Galtieri, a primeira-ministra britânica Margaret Tatcher não quis saber de negociação e resolveu o assunto pela força, exibindo o poder naval do Reino Unido no Atlântico Sul. Foi um golpe de morte na ditadura militar argentina, desmoralizada na guerra. Muito do prestígio de Maradona se deve à vitória da seleção argentina contra os ingleses, na Copa do Mundo do México, em 1986, quando fez dois gols, um com a “mão de Deus” e o outro, numa arrancada em linha reta, driblando todos os ingleses à sua frente. Lavou, em campo, a alma de uma Argentina humilhada.

A Guerra das Malvinas aproximou o Brasil da Argentina, a partir do governo do presidente José Sarney, tanto do ponto de vista diplomático como militar, estreitando a cooperação entre os dois países. Essas relações, porém, vão de mal a pior desde a eleição do presidente Alberto Fernández, um peronista moderado. Bolsonaro nunca esteve com o presidente argentino, contra quem fez campanha aberta na eleição presidencial e a cuja posse nem sequer compareceu, quebrando uma tradição diplomática importante para o Mercosul.

O país vizinho era o nosso terceiro parceiro comercial, agora é o quarto. Com um desempenho comercial de USD 3,7 bilhões tanto em importação quanto em exportação, no primeiro semestre de 2020, mesmo assim, continua sendo o parceiro mais importante para a nossa indústria de automóveis e de eletrodomésticos. Entretanto, em razão da pandemia e da péssima relação de Bolsonaro com Fernández, esse desempenho está muito abaixo do que seria possível. A Holanda passou a ocupar a terceira posição. No primeiro semestre deste ano, exportamos USD 4,5 bilhões para os holandeses, contra USD 647 em importações.

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Nosso segundo parceiro comercial são os Estados Unidos, que estão em guerra comercial com a China. A aliança de Bolsonaro, porém, era com o presidente Donald Trump, que perdeu a eleição. Fez campanha aberta contra o democrata Joe Biden, cuja política está em contradição com os rumos que tomamos na cena internacional e também internamente, em áreas como meio ambiente e saúde pública. Para ajudar Trump na eleição, Bolsonaro fez concessões comerciais que prejudicam a indústria brasileira e não obteve, do ponto de vista prático, nenhuma vantagem significativa.

No primeiro semestre deste ano, a balança comercial do Brasil com os Estados Unidos foi negativa: importamos USD 13,2 bilhões e exportamos USD 10 bilhões. Ou seja, o alinhamento automático com Trump somente nos deu prejuízo. Exportamos petróleo bruto, semimanufaturados de ferro e aço, aviões e pastas químicas; em contrapartida, importamos óleo diesel, gasolina, hulha betuminosa e nafta, principalmente. Por que, com Biden, será diferente?

Há mais de 10 anos, o nosso principal parceiro comercial é a China. No primeiro semestre de 2020, o Brasil exportou mais de USD 34 bilhões para o país. No mesmo período, a importação de produtos chineses foi de USD 16,7 bilhões. Vendemos soja, óleos brutos de petróleo, minérios de ferro e seus concentrados, pastas químicas de madeira e carnes desossadas de bovino congeladas, principalmente. Compramos plataformas de perfuração ou de exploração, flutuantes ou submersíveis; componentes para aparelhos receptores de radiodifusão, televisão etc; para aparelhos de telefonia/telegrafia; células solares em módulos ou painéis; e celulares.

Desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência, porém, as relações do Brasil com a China estão sob estresse político, provocado por declarações inamistosas e postagens provocativas, de cunho ideológico, nas redes sociais do presidente da República e dos seus filhos. Os chineses são conhecidos pela paciência, mas resolveram reagir duramente a um comentário do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL -SP), acusando a China de espionagem, na segunda-feira. “Isso é totalmente inaceitável para o lado chinês e manifestamos forte insatisfação e veemente repúdio a esse comportamento”, diz a nota da embaixada chinesa. O plano de fundo é a disputa pelo mercado brasileiro de internet 5G. Responsáveis por 33,5% das nossas exportações, se forem excluídos da disputa por Bolsonaro, a priori, os chineses vão se reposicionar em relação ao Brasil.