Nas entrelinhas: Após ataque do Hamas, guerra em Gaza decidirá futuro de Israel

Publicado em EUA, Governo, Inglaterra, Israel, Itamaraty, Memória, Militares, Política, Política, Religião, Terrorismo, Violência

O conflito entre Israel e Palestina ocorre desde 1947, quando a ONU propôs a criação de dois Estados — um judeu e um árabe — na região. A proposta foi aceita pelos judeus, mas rejeitada pelos árabes.

A população de Israel foi surpreendida na manhã de sábado por um forte ataque do grupo Hamas, que controla a Faixa de Gaza, da qual foram lançados mais de 2,2 mil foguetes. Militantes armados do Hamas entraram pela fronteira e começaram a invadir casas, matar soldados e civis. Cerca de 300 israelenses  morreram e mais de 1.200 ficaram feridos. Mais cedo, o comandante militar do Hamas, Muhammad Al-Deif, divulgou mensagem na qual anunciou que o ataque faz parte da operação “Tempestade Al-Aqsa”.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu, foi surpreendido pelo ataque, que revelou graves falhas do seu serviço de inteligência, o Mossad, considerado um dos melhores do mundo. Mas reagiu prontamente, ao declarar guerra ao Hamas, em gravação na qual afirmou que os fundamentalistas islâmicos do Hamas pagarão “um preço sem precedentes”. Foi decretado estado de emergência em todo o território de Israel e os reservistas foram mobilizados.

A imediata retaliação de Israel matou 313 palestinos em Gaza e 5 na Cisjordânia. Netanyahu ordenou “limpar de terroristas” os assentamentos na fronteira da Faixa de Gaza. O conflito eclodiu num momento delicado para Israel, em que amplos setores da sociedade se mobilizavam contra as medidas propostas por Netanyahu para controlar a Corte suprema do país e adotar um regime de características “iliberais”. O ataque do Hamas fortaleceu o primeiro-ministro, que recebeu apoio de todas as forças políticas israelense e dos países do Ocidente, a começar pelos Estados Unidos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenou “os ataques terroristas”. Atual presidente do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil convocou uma reunião de emergência do órgão. Segundo o Itamaraty, há grave e crescente deterioração da situação política da região, 30 anos após os acordos de paz de Oslo. O conflito entre Israel e Palestina ocorre desde 1947, quando as Nações Unidas propuseram a criação de dois Estados — um judeu e um árabe — na Palestina sob mandato britânico. A proposta foi aceita pelos líderes judeus, mas rejeitada pelos árabes.

Os britânicos deixaram a região e o Estado de Israel foi proclamado pelos líderes judeus no ano seguinte, o que causou a guerra árabe-israelense de 1948. Novo conflito bélico ocorreu em 1967, a Guerra dos Seis Dias. Israel tomou à força a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, então sob controle da Jordânia, bem como a Faixa de Gaza, sob administração egípcia. À época, 500 mil palestinos fugiram. Desde então, anexou Jerusalém Oriental (onde estão localizados santuários venerados por cristãos, judeus e muçulmanos) e ocupa a Cisjordânia.

Estado democrático

Entretanto, Israel se retirou da Faixa de Gaza, controlada pelo movimento islâmico Hamas desde 2007. A segurança de Israel, as fronteiras, o estatuto de Jerusalém e o direito de retorno dos refugiados palestinos que fugiram ou foram expulsos de suas terras são assuntos sobre os quais nunca se chegou a um entendimento. Apesar do Acordo de Oslo, as tentativas de paz fracassaram. Israel exige seu reconhecimento como um Estado judeu e a não-criação de um Estado palestino inviabilizam qualquer acordo.

Para complicar a situação, a Autoridade Nacional Palestina (ANP) perdeu legitimidade entre os palestinos com a paralisação do processo de paz e acusações de corrupção. Maior organização islâmica nos territórios palestinos, o Hamas é considerado um grupo terrorista por Israel, Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e outras potências globais. O grupo surgiu em 1987 após o início da primeira intifada palestina, o levante de jovens contra a ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

O Hamas venceu as eleições legislativas da Faixa de Gaza em 2006 e expulsou a Autoridade Palestina da região. Tem apoio do Irã, da Síria e do grupo islâmico xiita Hezbollah, no Líbano, o que é sempre uma ameaça para Israel. Não há a menor possibilidade de negociação com Israel, depois do ataque de ontem, enquanto o grupo não for dizimado ou entregar suas armas.

Israel não é um enclave europeu no Oriente Médio. É fruto de um movimento nacionalista que surgiu na Palestina com a dissolução do Império Turco e se tornou vitorioso após a Segunda Guerra Mundial. Estabeleceu-se como Estado democrático, em bases étnico-religiosas, o que é uma contradição. Por isso, desde a ocupação das terras conquistadas em 1967, Israel está diante de escolhas difíceis:

Desmantelar os assentamentos de colonos judeus nesses territórios ocupados e voltar às fronteiras de 1967, nas quais a população judaica é amplamente majoritária; ocupar essas áreas e os judeus ficarem em minoria demográfica, o que inviabiliza o status étnico-religioso do Estado de Israel; ou manter a ocupação e expulsar os palestinos dessas áreas, tomando-lhe as terras e os meios de sobrevivência para forçá-los ao exílio. O ataque do Hamas pode levar a isso.