A Comissão Mista da Medida Provisória nº 910/2019 deve votar, na terça-feira (17/3), o relatório do senador Irajá Abreu (PSD-TO), que trata de regularização fundiária. Ambientalistas temem que, diante da entrada limitada da sociedade civil no Congresso Nacional devido à pandemia do coronavírus, deputados e senadores possam votá-la a portas fechadas. Para os protetores do meio ambiente, a MP 910, apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro, em dezembro do ano passado, institucionaliza a grilagem de terras e incentiva o desmatamento.
A medida estabelece novos critérios para a regularização fundiária de imóveis da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O texto original permitia regularizar assentamentos ocupados até maio de 2014, com área de até 15 módulos fiscais. A MP recebeu 542 emendas. Em seu relatório, o senador Irajá acatou apenas 21.
Segundo o parlamentar, foram rejeitadas todas as emendas que possam estimular o desmatamento, anistiar produtores inadimplentes ou legalizar a grilagem de terras. O senador afirmou que procurou ouvir produtores rurais, setores do meio ambiente e da defesa nacional. “Excluí emendas que pudessem ser complacentes ao desmatamento ou que permitissem anistia. Dezenas de emendas propunham que pagamentos pendentes de títulos da década de 1970 fossem perdoados”, disse o senador, ao apresentar o relatório, na semana passada.
Irajá também defendeu fazer a vistoria das terras por meio de satélite, sem necessidade de visita presencial. “Existe a tecnologia e é um instrumento eficaz, que tira o fator humano. É mais barato e mais rápido. Uma vistoria in loco leva semanas”, justificou. As visitas presenciais serão mantidas em casos de sobreposição, conflito ou litígio judicial. O projeto de lei de conversão também alterou o marco temporal, previsto inicialmente para 2014, para 2012, quando o código florestal brasileiro foi aprovado.
Para os ambientalistas, a MP 910 é um perigo. No entender de Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, o texto do relatório tem pontos graves, que estimulam a grilagem. “Não se trata de uma lei de regularização fundiária, mas de benefício a grandes invasores de terra pública, que vão ganhar as áreas quase de graça para desmatá-las”, alertou. Segundo o especialista, formalmente, os invasores poderão pagar até 5% do valor de mercado de forma parcelada. “Mesmo aqueles que não estão pagando terão mais prazo. O texto gera anistia”, disse.
Valle destacou que os envolvidos não são produtores rurais, mas especuladores de terra, que vivem de invadir área pública, desmatar e vender. “O texto do senador Irajá retira uma trava da legislação anterior, que garantia que aqueles que já tinham recebido títulos não pudessem se credenciar para ganhar outras áreas. O relatório agora permite isso”, sustentou.
O diretor do WWF-Brasil considera a MP, que pode ser aprovada na comissão mista amanhã, uma bomba. “Se o Congresso Nacional tiver o mínimo de responsabilidade não vai colocar em votação essa MP, que pode manchar de forma definitiva a imagem do país. Já temos o garimpo explodindo na Amazônia. Agora, corremos o risco de ter uma lei que legaliza a bandidagem e a grilagem, será uma hecatombe nas políticas ambiental e social, porque os grileiros expulsam o verdadeiro dono da terra: quem está lá para produzir alimentos”, ressaltou. “O que era feito com capangas poderá ter o apoio da polícia militar, pois ganhará base legal”, acrescentou.
Na opinião do Greenpeace, o temor é ainda maior porque a entrada da sociedade civil no Congresso Nacional está limitada devido à pandemia do coronavírus. “Deputados e senadores têm a oportunidade de votar a portas fechadas a MP. O relatório do senador beneficia ainda mais os grileiros e criminosos ambientais, deixando o texto de Bolsonaro, que era péssimo, pior. Essa medida pode se tornar a maior anistia para roubo de terra pública desde o fim da ditadura militar no Brasil”, alertou o Greenpeace.
“A força ruralista no Congresso Nacional, que sempre foi muito grande, está ainda mais encorajada por um governo que não tem apreço pelo meio ambiente. É muito importante que a razão prevaleça e que os deputados e senadores escutem a sociedade e cientistas e barrem essa proposta”, disse Luiza Lima da campanha Políticas Públicas do Greenpeace.
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