Criminologia e Cinema

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Será lançada nos próximos dias pela Editora Marcial Pons a coletânea Criminologia e Cinema – Semânticas do Castigo, volume 5 da Coleção Direito, Transdisciplinaridade & Pesquisas Sociojurídicas. Nas palavras dos organizadores, Bruno Amaral Machado, Cristina Zackseski e Evandro Piza Duarte, “este volume apresenta o exercício empreendido por nós e por pesquisadores(as) parceiros(as), de desafiar os limites da escrita acadêmica pelo diálogo sobre as manifestações artísticas cinematográficas. Cuidaremos, neste volume, da punição, mais especificamente, das semânticas do castigo. Os discursos criminológicos contemporâneos não se ocupam exclusivamente da punição institucionalizada, e sim do sofrimento de todos os dias, dos castigos autoimpostos, de suas peculiaridades, consequências e formas de constituir os mundos em que transitamos, sejam eles reais ou ficcionais. Em uma leitura fenomenológica, devemos considerar que a experiência do castigo recomenda ir além do visível e explicitado. Pensar as semânticas do castigo supõe levar em conta extenso repertório de práticas e atitudes construídas a partir do compartilhamento de sentidos atribuídos a rituais, contextos sociais e instituições. Supõe considerar o castigo como categoria plural, com variações locais relevantes, nem sempre de fácil cognição ou descrição. Abrir-se a esse caleidoscópio de imagens e discursos é um convite que fazemos a quem nos acompanha nesta viagem pelos cinemas e pelas criminologias.”

Tive a satisfação de ser convidado pelos organizadores para contribuir com um artigo, no qual abordo o conflito entre o direito moderno e as formas tradicionais de administração de conflitos, a partir do filme A História de Qiu Ju. Dirigido por Zhang Yimou, maior representante da “quinta geração” do cinema chinês, o filme retrata a tentativa de Qiu Ju obter a retratação do chefe da aldeia por ter agredido seu marido, Qinglai. O percurso de Qiu Ju por instâncias da burocracia policial e judicial chinesa apresenta o processo de racionalização e burocratização do direito promovido pelo Estado chinês pós-revolução, e o distanciamento em relação aos mecanismos tradicionais de administração de conflitos, e permite discutir as categorias propostas por Weber para a compreensão do Estado moderno. Ao final se discutem os dilemas entre a formalização e a informalização da justiça, assim como o contraste entre a aplicação de uma pena e a busca de mecanismos alternativos para a administração de conflitos criminais.

Lançado em 1992, assisti A História de Qiu Ju em 1994, quando foi lançado em VHS no Brasil, e o filme teve uma influência decisiva para minha opção pela sociologia jurídica como campo de pesquisa e pela escolha dos logo depois criados Juizados Especiais Criminais como tema de pesquisa no mestrado em Sociologia. O que de fato está em questão no filme são as limitações das abordagens jurídicas modernas e características do processo de racionalização do direito nas aldeias onde as relações tradicionais subjazem a vida social. Não por acaso, o filme se passa em um contexto de modernização, em que os mecanismos informais de resolução dos conflitos dão lugar às instâncias formais de controle penal, submetendo as partes às formulas procedimentais e às soluções punitivas previstas em lei e aplicadas por toda uma estrutura burocrática criada com este objetivo. Estamos diante, portanto, do conflito entre formas tradicionais de solução de conflitos, e o processo de racionalização do direito, que não afeta apenas as sociedades ocidentais, mas também aquelas como a China pós-revolução e o Japão moderno, que adotaram em meados do Século XX os pilares institucionais da modernidade para estruturar a vida social.

O livro conta com 28 capítulos, estruturados em três partes: experiências do castigo; o castigo: entre gênero, raça e classe social; e para além do castigo: tradição, distopias, globalização e direitos humanos. Entre os filmes abordados estão Laranja Mecânica, Mississipi em Chamas, Django Livre, Taxi Driver, entre muitos outros, e a coletânea conta com a participação de autores como José Geraldo de Sousa Jr., Ela Wiecko Castilho, Soraia da Rosa Mendes e Moysés Pinto Neto. Vale a leitura!