Nem todas as produções que vão bem em audiência são renovadas. Nem todas que vão mal são finalizadas. Entenda os motivos do cancelamento de uma série
Agora que o upfront das grandes emissoras abertas norte-americanas – uma espécie de semana de divulgação das novas séries – terminou, é possível respirar fundo com a renovação de algumas séries ou chorar as lágrimas por aquele guilty pleasure cancelado (no meu caso, #R.I.PRise). Mais do que comemorar ou lamentar, esse é um momento de entender as razões que levam o cancelamento de uma série.
Sim, a audiência ainda é a principal causa da manutenção (ou não) de uma série, especialmente na tevê, mas ela não é a única causa. A sobrevivência de uma produção depende também do lucro que ela proporciona e isso pode ser alcançado (ou perdido) de formas que vão além do número de audiência. Por isso, o Próximo Capítulo separou as cinco principais razões que vão ditam o futuro de uma série. Confira!
Cinco pontos para entender o cancelamento de uma série
1. Outras programações
Há algumas semanas a internet parou para reclamar o súbito cancelamento da série Brooklin nine-nine da grade da emissora Fox. A comédia não era um hit de audiência, nem um fracasso, mas seguia firme e forte perante uma renovação, que não ocorreu. As reclamações tomaram conta das redes sociais até que outro canal, a NBC, decidiu resgatar a produção.
Mas qual foi a verdadeira razão para o fim da série? A nova grade que a Fox se proposto para 2019, e o incontornável limite de 24 horas por dia.
Em um acordo de cerca de U$S 550 milhões por ano, a emissora está apostando alto no Thurday night football, que, nada mais é, do que a transmissão exclusiva dos jogos de futebol americano nas noites de quinta-feira. Além do esporte, a empresa ainda pretende ampliar os horários de jornalismo, totalizando a necessidade de abrir mais de 30 horas por semana em sua grade.
Já que a emissora – por mais grande que seja – ainda não conseguiu fabricar mais horas em um dia, a única solução foi ceifar parte da programação, como Brooklin nine-nine, Lucifer, The Mick.
2. Estúdio-canal-preço
Ao longo dos anos, a produção de uma série foi se tornando “fragmentada”, principalmente em busca de maiores lucros. Entretanto, esta nova forma de produção “bagunçou” a dinâmica do simples “cancelado ou renovado”. Uma emissora nem sempre é a dona de uma série. Muitas vezes é só um produto arrendado, ou seja, uma produção feita por outro estúdio (frequentemente de canais concorrentes), mas “alugada” para exibição privada.
Desde o início dos anos 1980, os números de estúdios começaram a se multiplicar nos Estados Unidos e no Canadá. Muitos canais apostam na criação de dois ou mais estúdios para suprir, principalmente, a alta demanda de produções de diversos meios (desde propaganda, até mesmo cinema, passando, claro, pela tevê). Muito competitivos em preços, os estúdios são independentes na criação e no desenvolvimento de uma série, apostando em ideias e produzindo pilotos a todo momento.
Após um canal decidir que aquele produto (de acordo com pesquisas de mercado, público alvo e mais) pode ter um sucesso em sua programação, passa então a “encomendar” mais e mais episódios para o estúdio de produção. O caminho também pode ser inverso: as emissoras podem fazer pedidos de determinadas histórias.
O grande problema nessa equação são as variantes. Isso porque muitas vezes, o lucro que um estúdio ganha produzindo uma série para um emissora é menor do que o que ela ganha em syndication, ou seja, a venda de um número de episódios – geralmente 80 ou 100 – para o mercado internacional. Por exemplo: o estúdio X ganha muito mais vendendo 100 episódios de uma série Y para canais fechados do mundo todo do que só para aquela emissora Z nos Estados Unidos.
É como se um estúdio produzisse uma série essencialmente para os moldes do syndication, mas tentasse lucrar um “extra” com a produção para as emissoras, que, no fim das contas, é o que mais tem atenção do público.
Então, a conta que as emissoras pagam aos estúdios fazem parte da publicidade que esses conseguem, mais um preço fixo (a licensing fee, ou taxa de licenciamento, em tradução literal). Dependendo da série (e do seu sucesso em syndication), essa taxa pode ficar mais baixa, e em consequência, a emissora pode ficar mais inclinada a renovar a série. Entretanto, se o estúdio precisar de um lucro maior e não reduzir os valores do licenciamento, as chances de cancelamento aumentam, mesmo a série indo bem em audiência (já que o valor da publicidade, por mais alto que seja, pode não superar o do syndication).
Dentro desta equação, ainda faltam muitos mais elementos. Cada estilo de série (sitcom, procedual ou com linha de enredo) encara esse sistema de uma forma diferente. Ou seja, tem mais ou menos dependência de syndication, ou audiência. Além disso, é fundamental analisar se o estúdio de uma série é uma sucursal de uma emissora concorrente, por exemplo, se o canal ABC estiver exibindo uma sitcom clássica produzida pelos estúdios 21th Century Fox, mas que tem como concorrente outra sitcom clássica, só que na emissora Fox, é possível que os números do negócio sejam alterados drasticamente.
Ainda se aprofundando no tema, é fundamental não esquecer um novo ator que jogas as peças deste jogo no ventilador: os canais de streaming. Com uma produção cada vez mais dependente deste sistema, as séries dos canais de streaming tem produções aprovadas, ou negadas, com números de audiência distintos da tevê aberta, e uma lógica de syndication particular. Enfim, o resumo é: uma lógica que vai além da audiência.
3. Intriga na equipe e no elenco
Esse motivo é mais interessante – e geralmente mais midiático – do que a grade horária da emisorra ou os contratos com os estúdios. A grande verdade é que dificilmente passamos muito tempo sem lidar com esse problema. O meio da tevê em séries, principalmente a norte-americana, pode ser um pouco estressante, e eventualmente “personalidades complicadas” estampam as manchetes dos sites de notícias, levando ao invariável cancelamento da séries – que muitas vezes vai muito bem em audiência.
O exemplo mais clássico é o da série Two and a half man. O protagonista Charlie Sheen entrou numa confusa desavença com o showrunner da produção Chuck Lorre, e o resultado não poderia ser outro. Entre meses de acusações nos jornais, farpas em redes sociais e um verdadeiro show fora das câmeras, a emissora CBS decidiu arriscar a comédia de maior audiência demitindo Sheen. O risco não valeu a pena e após duas temporadas depois da saída do protagonista original, a produção foi cancelada.
E nem precisamos ir tão longe para atestar esta situação. Atualmente a série Máquina mortífera passou perto do cancelamento devido aos problemas do protagonista Clayne Crawford com o elenco. A produção ganhou sobrevida graças a demissão de Riggs, mas não passou despercebida pela crítica negativa do público.
4. O estilo
Uma coisa que importa tanto quanto a história, protagonistas ou investimento de uma série, é o estilo. Entre drama, comédia, dramédia, procedual, singlecam, multicam, sitcom ou sitcom clássicas, cada canal aposta em uma tendência que promete agradar ao público. Entretanto, eventualmente, este gênero de aposta popular pode simplesmente não se adaptar ao enredo da produção, limitando o roteiro e aplicando uma data de validade brutal para a série.
O lado bom desse fator, é que, eventualmente, a situação também se inverte e uma série pode apostar em um formato que não é tão tendência assim, e mesmo assim conseguir a atenção da audiência: como no caso de Modern family. Ao ser previamente pensada pelo showrunner Steven Levitan, a produção se construiria no estilo clássico da sitcom (aquele com plateia e risada), entretanto, a equipe decidiu apostar no contexto da singlecam (com mais movimento de ângulos, dinamismo e fluidez as cenas). O resultado você pode ver: quase uma década no ar.
5. Longevidade
Por mais que uma série tenha um inquestionável sucesso de audiência, a longevidade pode ser o ponto mais fatal para a renovação. Isso porque uma das mais sólidas políticas de preços de uma produção é o tempo de exibição. Quanto mais tempo no ar, mais cara uma série fica.
Equipe de produção, roteiristas, showrunners e, principalmente, o elenco ganham um salário com aumento exponencial a cada temporada, o que significa que eventualmente fica simplesmente impossível para a emissora pagar estrelas que extrapolam a receita com publicidade.
Por mais que se diga por aí que uma série “acabou” com suas histórisa, a grande verdade é que as produções mais velhinhas têm um público consolidado e só saem do ar pelo preço da equipe.
Em quase todas as temporadas, temos um exemplo dessa situação. Desde Castle, até CIS e Bones, até mais atualmente com The middle. É fácil ver uma produção expirar. Dentro dessa discussão é importante se atentar para uma série que é o elefante na sala: Grey’s anatomy.
Com a protagonista mais cara da tevê norte-americana, a produção que vai para o 15º ano e já se torna em uma preocupação para ABC e pipocam os rumores de tentativa de substituição da estrela Ellen Pompeo. Mas aí aparece outra sinuca de bico: o público vai continuar com produção sem a Dr. Meredith? Talvez a ABC possa buscar umas dicas com E.R. (já que “pegou emprestado” tantas outras…), que reciclava os protagonistas a cada três temporadas, e conseguiu uma longevidade invejável.