Nas entrelinhas: O bonde da Educação

Publicado em Política

Professores engajados num projeto de poder não respeitam a maioria dos colegas e a minoria das minorias (o jovem monarquista) não pode se expressar sem apanhar

Um jovem monarquista que protestava contra a convocação de uma greve geral na Universidade de Brasília foi agredido por colegas que desejam paralisar a universidade em protesto contra o impeachment e o governo Temer, na terça-feira passada, porque estendeu uma bandeira do Brasil Império. Debaixo de socos e pontapés, conseguiu recuperá-la. Essas cenas da agressão, do tipo todos contra um, ocorreram na ala norte do Instituto Central de Ciências (ICC), o famoso “Minhocão”, e foram expostas na internet; no dia seguinte, o jovem agredido voltou às redes sociais para dizer que não se deixaria intimidar. Ele acredita que a agressão foi um sinal de que a bandeira da monarquia, diante da crise ética, está incomodando.

Na quarta-feira, durante assembleia da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), que reuniu 148 professores, o pós-doutor em bioética Volnei Garrafa sugeriu que a delegação da ADUnB apresente, no congresso do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), em Roraima, uma proposta para que o segundo semestre das universidades federais não se inicie enquanto a presidente Dilma Rousseff não voltar ao comando do governo. A maioria apoiou a proposta. O presidente da associação, Virgílio Arraes, disse que a sugestão será encaminhada, mas ponderou que a instituição tem cerca de 2.500 professores.

A Associação dos Docentes da UnB fez uma pesquisa eletrônica para saber a opinião dos colegas sobre os temas abordados na assembleia. Apenas 478 professores responderam ao questionário, dos quais 225 (47,47%) concordam com a tese de que o impeachment é golpe e 249 (52,53%) discordam; 300 professores (63,29%) são a favor de debater o assunto e 174 (36,71%) são contra. Mais: 265 professores (55,91%) foram contra a realização da assembleia; e 209 (44,9 %), a favor. Ou seja, uma situação na qual professores engajados num projeto de poder não respeitam a maioria dos colegas e a minoria da minoria (o jovem monarquista) não pode sequer se expressar sem apanhar. Esse é o ambiente político numa das melhores universidades do país.

Aparatos ideológicos

Nos anos 1970, o livro Os aparatos ideológicos do Estado, do filósofo franco-argelino Louis Althusser, fez muito sucesso entre estudantes e professores que faziam oposição ao regime militar, ao lado do livro Os Conceitos elementares do materialismo histórico, da professora chilena Marta Harnecker Cerdá, que participou do governo socialista de Salvador Allende e foi assessora de Hugo Chávez, de 2002 e 2006. Discípula de Althusser e casada com Manuel Piñeiro, o lendário Barba Ruiva (líder do PC cubano encarregado da relação com a esquerda da América Latina), com seu livro, Marta fez a cabeça da esquerda brasileira nas universidades.

Em consequência, boa parte das lideranças das universidades públicas do país tem uma visão sobre suas instituições próxima das ideias de Althusser, ainda que seu livro tenha sido publicado há quase 50 anos. Grosso modo, atribui aos aparatos ideológicos do Estado o papel de reproduzir a ideologia dominante para garantir a reprodução ampliada do capital. Quais são esses aparatos? A família, as igrejas, os partidos, os meios de comunicação, a cultura (literatura, arte e esporte), os sindicatos e, principalmente, a escola. O sistema jurídico, teria duplo caráter: aparato ideológico e, ao mesmo tempo, repressivo. É uma visão meio “funcionalista” do conceito de hegemonia.

Althusser questiona o papel do professor que se esforça para construir um discurso moderno mas não tem uma prática, digamos, revolucionária. Ao cumprir seu papel como professor, simplesmente reproduziria as relações de poder dominantes. Essa concepção está por trás do ativismo político de boa parte dos integrantes dos conselhos universitários e até de alguns reitores, o que de certa forma explica o apoio incondicional que deram aos governos Lula e Dilma, muito embora a qualidade do ensino e a capacidade de produzir ciência e tecnologia de nossas universidades deixem muito a desejar.

Na cartilha althusseriana, professores devem se posicionar contra o sistema e contra as práticas que os aprisionam e transmitir isso aos seus alunos. A Matemática, o Português, a História, a Geografia e as Ciências só têm sentido ao contestar a exploração e a dominação de classe. O devotamento à Educação contribuiria para alimentar a ideologia burguesa e fazer da escola algo parecido com a Igreja medieval. Enquanto pensam assim, o Brasil perde o bonde da revolução do conhecimento.