ROSANA HESSEL
A piora no quadro fiscal está criando dificuldades para o Tesouro Nacional rolar a dívida pública para prazos mais longos. Com isso, as operações compromissadas voltaram a ganhar corpo na carteira do Banco Central, deixando o governo cada vez mais pendurado no curto prazo.
Depois de somarem R$ 1,288 trilhão, em abril, o equivalente a 17,7% do Produto Interno Bruto (PIB), as operações compromissadas encerraram maio totalizando R$ 1,309 trilhão, ou 18,1% do PIB. Em dezembro de 2019, o volume de operações compromissadas somaram R$ 951,5 bilhões, o equivalente a 13,1% do PIB. Logo, o crescimento dessa rubrica no ano soma 37,6%.
Esse tipo de operação envolve títulos do Tesouro indexados à taxa básica de juros (Selic) em transações com instituições financeiras, predominantemente, com prazos curtíssimos (conhecido também como overnight). O Banco Central vende um título com o compromisso de recomprá-lo em um prazo determinado que pode ser de um dia ou de até nove meses.
Os dados fazem parte do relatório do resultado fiscal do setor público consolidado, que registrou um rombo nas contas públicas de R$131,4 bilhões em maio, o maior da série histórica do BC, iniciada dezembro de 2001. A dívida pública bruta passou de 69,8% do PIB, para 71,8% do PIB, somando R$ 5,198 trilhões, devido ao aumento dos gastos públicos no combate aos efeitos da pandemia de covid-19.
Ontem, quando apresentou o pior resultado primário do governo central da história, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, reconheceu que os prazos da dívida pública têm reduzido, mas evitou admitir que o governo está com problemas para a rolagem da dívida pública para prazos acima de seis meses.
Aliás, a dívida pública bruta não para de subir e, pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) deverá ultrapassar 100% do PIB até o fim do ano. O Fundo prevê retração de 9,1% no PIB brasileiro deste ano.
“As compromissadas são uma alternativa para o Tesouro financiar o rombo das contas públicas quando ele não consegue fazer emissões de longo prazo a taxas que ele considera adequada. E estamos vendo isso acontecer com mais força desde o início da pandemia, pois o governo está usando outros instrumentos para se financiar, como também tem sacado da conta única do Tesouro”, destacou Fabio Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria.
Apesar dessa piora no quadro fiscal do governo federal, Bruno Lavieri, economista da 4E Consultoria, ainda não acha que o risco de insolvência é elevado no curto prazo. “Contando os recursos da conta única, as compromissadas e outras opções de emergência existem, mas os próximos meses não serão fáceis”, avaliou. Para ele e para Klein os maiores riscos do ponto de vista fiscal virão em 2021, quando o teto de gastos corre risco elevado de ser descumprido. “As despesas transitórias podem ser carregadas e a recuperação lenta da atividade econômica deverá afetar a arrecadação, impedindo, com isso, uma retomada da trajetória de ajuste fiscal”, comentou Lavieri.
Alberto Ramos, diretor para América Latina do Goldman Sachs, também demonstrou preocupação com a deterioração das contas públicas. Ele prevê um rombo fiscal de, pelo menos, 17% do PIB, ” levando a um aumento acentuado da dívida pública bruta para perto de 95% do PIB”. Em 2019, esse indicador encerrou o ano em 75,8% do PIB.
“O alto e crescente nível de dívida pública (estoque) e o alto deficit fiscal (fluxo) deixam as contas públicas e a economia vulneráveis a choques domésticos e externos adversos, como a pandemia de covid-19 em desenvolvimento. Portanto, abordar a dinâmica insustentável da dívida pública e criar amortecedores fiscais permanece, inquestionavelmente, o principal desafio macro enfrentado tanto pelo Executivo quanto pelo Legislativo, quando a pandemia é controlada”, avaliou.