Volta da CPMF gera críticas entre especialistas, porque atrapalha retomada da economia

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ROSANA HESSEL

O ministro da Economia, Paulo Guedes, retomou o discurso do ano passado, quando tentou emplacar a ideia de recriar a CPMF “com nova roupagem”, sobre transações eletrônicas. Naquela época, foi obrigado a demitir um dos pais da ideia, o então secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra. Agora, de acordo com especialistas ouvidos pelo Blog, a proposta não deverá ajudar na retomada da economia, pelo contrário.

Há um ano, Guedes promete, mas não entrega ao Congresso a proposta do Executivo de reforma tributária. Desta vez, está pavimentando o caminho junto ao novo integrante da base aliada, o Centrão. Com a saída de Cintra, o ministro dizia que buscaria alternativa para o tributo, contudo, a ideia nunca foi abandonada dentro do bloco P da Esplanada dos Ministérios.

A defesa naquela época era a mesma, um novo imposto sobre transações eletrônicas para “compensar” a desoneração da folha de pagamentos, mas bem mais cruel do que a antiga CPMF, pois seria cobrado nos saques e nos depósitos.

Com o aumento dos gastos públicos emergenciais devido à pandemia da covid-19, o rombo fiscal não para de crescer, e o governo está cada vez mais desesperado para aumentar a tributação, pois a receita está em queda livre devido à recessão. Mas a atual carga tributária não comporta mais tributo. Na verdade, o sistema de impostos precisa ser simplificado e reduzido para garantir crescimento da economia, e não o contrário, lembram os analistas. A alíquota antes cogitada da nova CPMF chegava a 0,6%, mas Guedes vem sinalizando um índice menor, entre 0,2% e 0,4%.

Discussão sobre nova CPMF

A principal discussão que o governo e o Congresso evitam é sobre o corte de gastos desnecessários, começando pelos subsídios exagerados e pelos privilégios do funcionalismo. Bons exemplos de austeridade não faltam para serem seguidos no sentido de um Estado mais enxuto e austero, como na Europa, onde autoridades e parlamentares não têm apartamentos de luxo e, muito menos motoristas e outras mordomias, o que ajuda a sobrar dinheiro para investir em transporte público de qualidade.

Vale lembrar que, em 2019, no primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro, a conta de subsídios cresceu em vez de diminuir, chegando a  4,8% do Produto Interno Bruto (PIB), um total de R$ 348,3 bilhões, patamar parecido com o do tempo do governo Dilma Rousseff, que girava em torno de 5% do PIB e era alvo de críticas dos analistas. Em 2018, os subsídios representaram 4,6% do PIB.

Para piorar, o aumento de desembolsos com desoneração fiscal ocorreu mesmo com o teto de gastos em vigor e sem o Programa de Sustentação de Investimento (PSI) — que foi um dos responsáveis pelos maiores gastos da ex-presidente. Além disso, no ano passado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) devolveu mais de R$ 100 bilhões para os cofres públicos, porque não vem executando mais esse tipo de subsídio financeiros.

Sem consenso

Ao que tudo indica, proposta de reforma tributária do Executivo continua equivocada, especialmente, porque ela ainda não está clara, na avaliação de especialistas. O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, considera a CPMF, seja qual formato for, prejudicial para a retomada da economia, que, pelas estimativas dele, deverá encolher 6,4% neste ano, ante os 4,7% projetados pelo governo. “ É uma escolha muito ruim, deveriam, sim, diminuir os gastos tributários. Infelizmente, o governo opta por uma solução mais fácil, mas pior”, lamenta.

Para Vale, a proposta de reforma tributária que já está no Congresso e sendo discutida pela Câmara, a PEC 45, é a mais adequada para o momento. “As compras eletrônicas já pagam imposto. O governo sabe que bens e serviços são muito sobretaxados no Brasil, mas quer outro imposto em cima em vez de sinalizar o sistema pela PEC 45, que é o que precisamos”, defende.

A desoneração da folha proposta por Guedes em troca de uma nova CPMF não é um consenso como uma boa medida para estimular o emprego, pois, durante o governo Dilma, foi implementada em vários setores da economia e não surtiu efeito positivo no emprego, muito menos na atividade.

Aliás, estudos não faltam comprovando isso, inclusive um do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), assinado por um dos integrantes da atual equipe econômica, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida. O documento do Ipea destaca que, “ despeito das intenções positivas da lei de desoneração, pode-se dizer que, pelas avaliações ex-post já realizadas, o que inclui o presente estudo, não há evidências robustas de efeitos reais positivos da desoneração. Sobre a geração de empregos, este resultado está se consolidando”.

“Não faz nenhum sentido econômico postergar a desoneração da folha. Esse é um dos problemas no Brasil, coisas temporárias não acabam nunca. Isso tem que acabar, e a desoneração, também, pois é cara e não preserva empregos”, destaca o economista e especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros. Para ele, em relação à nova CPMF, o diabo mora nos detalhes. “Se for um tributo digital, similar ao que a União Europeia acaba de anunciar, não, necessariamente, é ruim. A questão são os detalhes, mas, em tese, isso é algo muitíssimo debatido lá fora pelos países da Zona do Euro”, frisa.

Na avaliação de Vale, da MB, a desoneração da folha é necessária, mas poderia ser feita de forma escalonada, tirando um ponto percentual por ano. “Já temos a regra do teto para controlar do outro lado o que vamos perder de receita do outro”, diz.

Distorção

O especialista em contas públicas José Roberto Afonso, que já escreveu vários artigos demonstrando que a desoneração da folha não surtiu os efeitos desejados na economia, afirma que a CPMF tem uma distorção que atrapalha o investimento no país. “É unânime que se precisa aumentar muito, e urgentemente, os investimentos para o país sair da crise. Ou o governo se endivida ainda mais e investe, ou ele estimula o setor privado a investir. (A CPMF) Agravará ainda mais a depressão, poi aumento de impostos desestimulam o investimento. A CPMF tem essa distorção”, explica. “O melhor, para ele, é que a reforma promova uma justiça tributária. “A CPMF, como era cobrada antes no Brasil, atinge igualmente quem sonega e quem não sonega”, acrescenta o economista, um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A CPMF, extinta em 2007 quando a alíquota era de 0,38% sobre cada retirada da conta corrente, foi criada pelo governo Fernando Henrique Cardoso para ser uma contribuição provisória para a saúde, mas acabou se tornando uma importante ferramenta arrecadatória. O imposto se tornou permanente e serviu de gangorra para a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. O volume arrecadado era tão expressivo, que Lula foi mantido no primeiro mandato do petista. Em 2007, a receita com a contribuição foi de R$ 37,2 bilhões, segundo dados da Receita.

Veja alguns estudos sobre a desoneração da folha e a sua ineficácia:

Reversão da Desoneração (Afonso e Pinto)

Desoneração da Folha (Afonso & Barros)

Desoneração da Folha de Pagamentos (Cordilha)

Paper do Ipea: 180117_td_2357

Vicente Nunes