VÍTIMAS DA INCOMPETÊNCIA

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A crise política e a incapacidade do governo de dar um rumo ao país estão devastando o orçamento das famílias. Pesquisa que a Confederação Nacional do Comércio (CNC) divulga hoje mostra um forte aumento no número de lares que se dizem sem condições de pagar as contas em dia. As dificuldades estão generalizadas tanto entre as famílias que ganham até 10 salários mínimos por mês quanto entre as que têm renda superior a 10 mínimos.

Em outubro de 2014, segundo a CNC, 17,4% afirmavam estar com dívidas em atraso e 5,4% se declaravam incapacitadas para honrar os compromissos assumidos, pois tinham chegado ao limite. Agora, 23,1% estão com contas vencidas e não pagas e 8,5% jogaram a toalha simplesmente porque não têm dinheiro para quase nada. Esse quadro preocupante, diz a economista Marianne Hanson, ainda vai piorar muito, sobretudo no primeiro semestre de 2016.

Até o meio deste ano, o maior vilão do orçamento das famílias era a inflação. Mas, com o aprofundamento da recessão, muitas empresas passaram a demitir. E o desemprego disparou. “A inflação come uma parte da renda dos trabalhadores e eles vão acomodando os gastos. Sem emprego, porém, não há dinheiro para nada”, explica Marianne. Por isso, a situação atual é muito mais complicada e duradoura.

Há outro agravante. No ano passado, quando a inflação ainda estava contida, porque o governo represava as tarifas públicas, muitas famílias optaram por usar o décimo-terceiro salário para pagar dívidas. Por isso, o total de lares endividados caiu naquele período. Neste momento, nem o rendimento extra será suficiente para dar o alívio esperado. As dívidas aumentaram muito, ficaram mais caras, muitos perderam o emprego e a carestia, que está em 10%, continuou castigando.

Desordem

Como era de se esperar, são as famílias com renda de até 10 salários mínimos as que mais sofrem com a desordem econômica do país. Em outubro do ano passado, 19,7% delas informavam estar com dívidas em atraso. Neste mês, são 26%. “Trata-se do grupo mais vulnerável, pois não tem capacidade de poupança para enfrentar adversidades e o orçamento é mais apertado para cortar gastos”, frisa Marianne. Não é só. A maior parte do dinheiro dessas famílias vai para a compra de alimentos e o aluguel. E é entra elas que o desemprego mais cresce.

Na avaliação da economista da CNC, ainda que o total de famílias que dizem estar com dívidas em atraso, de 23,1%, seja menor do que o pico verificado em 2010, de 29,1%, a realidade hoje é mais complicada. A inflação naquele momento era mais baixa, o país crescia a um ritmo forte, com aumento do emprego e da renda, e havia espaço para se livrar do excesso de endividamento estimulado pelo governo.

Desde o início deste ano, o desemprego na seis principais regiões metropolitanas do país saltou de 4,3% para 7,6%. A cada hora, diz o Ministério do Trabalho, 100 pessoas estão perdendo o emprego no país, incluindo sábados, domingos e feriados. A tendência, com o agravamento da recessão, é de que as demissões se acelerem. “Toda a conjuntura macroeconômica está jogando contra os trabalhadores. Não há melhora à vista”, assinala Marianne.

Ela ressalta que, na comparação de outubro deste ano com o mesmo mês de 2014, o total de famílias com dívidas aumentou de 60,2% para 62,1%. Quando comparado a setembro último (63,5%), houve uma melhora, mas nem isso serve de alento, dadas às perspectivas para o país. “O recuo foi conjuntural. Não se pode esquecer que as dívidas contraídas nos últimos meses são muitos mais caras, o que dificulta o pagamento. A tendência é de a inadimplência aumentar”, frisa.

Surreal

Para técnicos do governo, as famílias vão pagar caro pelo desastre que foi o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Ela não só permitiu que a inflação voltasse, como destruiu as contas públicas, a ponto de a equipe econômica não saber hoje qual o tamanho do rombo deste ano. No papel, estima um buraco de R$ 51,8 bilhões, mas há tantas pendências que podem levar o deficit para mais de R$ 100 bilhões e, pior, comprometer todo o ajuste de 2016.

“Nem parece que, nos últimos anos, vivemos em uma economia estabilizada”, afirma um técnico graduado da Esplanada dos Ministérios. “De um lado, o Banco Central diz que não sabe quando poderá levar a inflação para o centro da meta, de 4,5%. De outro, nem o Planejamento nem a Fazenda conseguem dizer como está a situação das contas públicas. É surreal”, acrescenta.

Em meio a tantas dúvidas, o país vai afundando. “As empresas adiam os investimentos e as famílias, o consumo”, diz Marianne Hanson. O resultado é mais recessão, mais desemprego e mais calote nas dívidas. Portanto, seria muito bom se Dilma caísse na real e assumisse o governo para o qual foi eleita a fim de dar um ar de esperança ao país. Mas nada indica que ela o fará. A presidente simplesmente não sabe o que fazer para tirar o Brasil da enrascada que ela o meteu.

Vicente Nunes