O Supremo Tribunal Federal (STF) deu ontem uma grande lição ao Brasil. Quando a desesperança começava a tomar conta, diante do desinteresse do governo e do Congresso de institucionalizarem o combate à corrupção, a maior Corte do país mandou para a cadeia um senador em pleno exercício do mandato, Delcídio do Amaral (PT-MT), líder do governo no Senado, e um banqueiro, André Esteves, que, nos últimos anos, aproveitou-se da proximidade com o poder para corromper e amealhar uma fortuna que o levou a figurar entre os 13 homens mais ricos da nação.
As prisões, inesperadas, indicam que a Lava-Jato está bem próxima de chegar aos cabeças do esquema que devastou o caixa da Petrobras. Os corruptos que ainda estão soltos — e são muitos — podem começar a arrumar as malas, pois não há mais como reverter as investigações conduzidas pelo Ministério Público e a Polícia Federal. Com o precedente aberto pelo encarceramento de Delcídio, sustentado por provas tão contundentes, caiu o mito do foro privilegiado e da imunidade parlamentar. Criminosos, independentemente do cargo de exerçam ou exerceram, devem ter o mesmo endereço, a cadeia.
O Brasil precisa disso. Diante de tantos anos de desmandos, de afronta às pessoas de bem, de cinismo e de escárnio, instalou-se a cultura de que tudo se pode no país, desde que se tenha dinheiro para pagar um bom advogado, e de que apenas pobres, negros e ladrões de galinha vão para a prisão. Essa visão só contribuiu para destruir valores importantes e disseminar a lei da vantagem, mesmo nas menores coisas do dia a dia. O Brasil se tornou terra de ninguém, sem um exemplo de cima que pudesse servir de parâmetro para a ordem e os bons costumes.
É ingenuidade pensar que, com todas as prisões de corruptos e corruptores no âmbito da operação Lava-Jato, o Brasil vai se livrar de vez dos malfeitos. Mas não há dúvidas de que o país sairá melhor quando todo o processo estiver encerrado. Acabará o conceito de cidadãos de primeira e segunda classes. Nos últimos 20 anos, o Brasil avançou muito do ponto de vista econômico e social, ao se livrar da hiperinflação, mas regrediu enormemente na questão ética. O partido que se instalou no poder, o PT, acreditou que tinha recebido licença para roubar, desde que fosse em nome de um projeto maior, o de poder.
Dominância política
A Lava-Jato é hoje o maior depurador do país. Muitos – sobretudo os que estão na mira da Polícia Federal – não poupam nos argumentos para desqualificar a operação. Dizem que as investigações paralisaram a economia e são responsáveis pelo enorme tombo do Produto Interno Bruto (PIB) e pelo aumento do desemprego. Ontem, depois das prisões, houve uma certa gritaria, especialmente entre técnicos do governo, de que o ajuste fiscal pode ser prejudicado, diante da nova instabilidade política que atingiu o governo Dilma Rousseff, cada vez mais próximo das denúncias de corrupção.
A economia entrou em colapso não por causa da Lava-Jato. A forte recessão na qual o país mergulhou — a queda do PIB neste ano será superior a 3% – decorreu os erros que Dilma cometeu, ao apostar numa inflação maior para a retomada do crescimento, ao intervir nas tarifas de energia elétrica e ao destruir o caixa do Tesouro Nacional. Já o ajuste fiscal não foi colocado em prática por total incapacidade do governo. Dilma e parte de sua equipe não acreditam na importação na arrumação das contas públicas. E sabotaram, o quanto puderam, as tentativas do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de fazer um superavit primário, por menor que fosse.
“Infelizmente, voltamos ao quadro de dominância política”, diz o economista Eduardo Velho, da INVX Partners. No entender dele, durou pouco a trégua dada à presidente Dilma, que havia conseguido reduzir a pressão pelo impeachment e derrubar as pautas bombas que estavam no Congresso. Agora, com o líder no governo no Senado e um banqueiro com enorme trânsito na Esplanada dos Ministérios presos, a petista voltará ao centro das turbulências e a cobrança pelo seu afastamento se fortalecerá, especialmente diante das gravações de Delcídio de que ela sabia de todas as negociações da Petrobras para a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, operação que resultou em prejuízos de US$ 792 milhões à estatal.
O risco Cerveró
O governo acreditava que, com Dilma saindo do olho do furacão e toda a pressão política centrada no presidente da Câmara, Eduardo Cunha, alvo da operação Lava-Jato, teria um período de calmaria para aprovar, até o fim do ano, parte das medidas do pacote fiscal. Mas com a decisão do Supremo, a presidente voltou a balançar e, dependendo da delação premiada que será feita por Nestor Cerveró, o risco de o Palácio do Planalto ser atingindo em cheio aumentou muito.
“Não haverá recesso parlamentar para o governo”, afirma Eduardo Velho. Para ele, as novas etapas da Lava-jato e os depoimentos que estão por vir atingirão o governo em cheio, podem enterrar o ajuste fiscal, prolongar a recessão e até resultar na demissão de Joaquim Levy. Serão tempos sombrios, mas que, mais à frente, trarão a luz. À população, resta pressionar para que interesses escusos não desviem a Justiça do caminho da verdade e ter paciência para a volta do crescimento – esse, infelizmente, muito distante de onde a nossa vista alcança.
Brasília, 08h30min