Verde Asset: PEC dos Combustíveis é um desvario completo

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ROSANA HESSEL

Ao avaliar o último ano do mandato do presidente Jair Bolsonaro, um artigo da carta do Fundo Verde da Verde Asset Management, Daniel Leichsenring, economista-chefe da gestora que tem como sócio Luis Stuhlberger, destacou a preocupação com a escala das medidas populistas sinalizadas pelo governo. Nesse sentido, não economizou críticas à PEC dos Combustíveis, classificando-a como um “desvario completo”. Além disso, comparou o atual governo com o da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), classificando como “gêmeos separados pelo nascimento” na gestão fiscal, “recorrendo às piores práticas do governo petista”.

Em artigo com o título “Terraplanismo econômico”, publicado nesta terça-feira (8/2), o economista da Verde Asset definiu essas práticas como sendo de um “populismo barato, totalmente irresponsável”. “No final, são irmãos gêmeos, separados no nascimento. A proposta de eliminar os impostos sobre os combustíveis é um desvario completo, e não resiste a um  minuto de considerações sobre sua qualidade ou conveniência”, escreveu.

Na avaliação de Leichsenring, que também não poupa críticas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, principalmente, ao defender a PEC dos Precatórios — que pedalou dívidas judiciais e ainda alterou a regra do teto antecipadamente –, a irresponsabilidade fiscal do atual governo “virou a regra”. “Quando o Presidente quer e o Ministro da Economia autoriza, não será o Congresso a instituição que evitará o abismo fiscal eleitoreiro. Curiosamente, com a volta do juro alto e a volta do investidor estrangeiro na bolsa brasileira, a reação natural do mercado a propostas deste calibre não está ocorrendo. O termômetro quebrou. Com dólar caindo e Bolsa subindo no ano, não há amarras para atitudes ainda mais populistas”, acrescentou.

A proposta de eliminar os impostos sobre os combustíveis “é um desvario completo, e não resiste a um minuto de considerações sobre sua qualidade ou conveniência”, de acordo com o economista da Verde Asset. Ele estima que a eliminação de PIS-Cofins e da Cide sobre todos os combustíveis e energia elétrica, geraria custo anual para a União da ordem de R$ 70 bilhões. Além disso, eliminar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) custaria outros R$ 75 bilhões por ano. “E se a farra se estender ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), mais R$ 110 bilhões por ano. No mínimo, estaríamos falando de uma desoneração da ordem de 1% do PIB (Produto Interno Bruto), e no máximo, de 3% do PIB”, estimou.

No artigo, o analista ainda escreveu que, com a PEC dos Precatórios, o governo e o Congresso “decidiram acabar com o ajuste fiscal por meio do controle do aumento de gastos, que nunca caíram, apenas “cresceram menos”. Além disso, com a PEC dos Combustíveis, o governo ainda vai aumentar o deficit nominal em 1% do PIB baixando os tributos sobre combustíveis, de acordo com ele. “Se o ajuste fiscal não pode mais ser feito via gasto, só pode ser feito via arrecadação, e eis que surge essa proposta incompreensível de baixar os impostos em mais de 1% do PIB, sob a chocante justificativa do Ministério da Economia de que há excesso de arrecadação. Um detalhe: estimamos um déficit nominal em 2022 próximo a R$ 730 bilhões, e a proposta elevaria o déficit a pelo menos R$ 800 bilhões”, destacou o texto.

Veja a íntegra do artigo do economista Daniel Leichsering

Terraplanismo econômico

Nem bem o ano começou, e os votos de felicidade, saúde e prosperidade já parecem ter se esvaído, na bruma populista e eleitoreira. O fim do ano sempre é boa oportunidade para pensarmos nos erros e acertos do ano anterior, e tentar traçar metas para corrigir os problemas e manter as virtudes.

No réveillon governista, parece difícil encontrar o que manter. Em praticamente todas as áreas de atuação, o que se viu foi um desastre. Da ação deliberada de atrasar a vacina e jogar insistentemente contra, com o suprassumo das fake news antivax, à política econômica. No entanto, ao invés de rever, o governo acena com a aceleração dos erros.

Na esfera econômica, vimos um Ministério da Economia trabalhando em marcha forçada para a destruição do Teto de Gastos, em parceria com o chefe do Executivo e demais da ala política e do Congresso. Começou com o “meteoro”, acabou com a destruição completa da credibilidade do Teto de Gastos e da Lei de Responsabilidade Fiscal, alterados para acomodar um volume extraordinário de gastos a mais com o fundo eleitoral e as emendas parlamentares, sob a esfarrapada desculpa de atender aos mais pobres com
o Auxílio Brasil.

No final, o que restou do regime fiscal? Muito pouco. Se as pressões por gastos forem grandes, muda-se o Teto e aumenta-se o gasto. Se há lobby para reduzir algum imposto, muda-se a LRF para evitar compensar o resultado fiscal mais negativo. Teto e LRF deixaram de impor qualquer barreira aos populistas de plantão.

Na virada do ano, com orçamento votado, Teto modificado, mas em vigor, Congresso e Judiciário em recesso, poderia haver alguma margem para imaginar que o pior havia ficado para trás. Ledo engano. No afã de tentar reverter a absoluta impopularidade de seu governo, eis que o Presidente revela um plano infalível: reduzir a tributação sobre os combustíveis e energia elétrica.

Durante os anos “dourados” da dupla dinâmica Dilma-Mantega, foram várias incursões no terreno da desoneração de curto prazo, temporárias. Algumas metas de inflação foram salvas por queda de IPI, e com isso o BC dócil pôde manter taxas de juros artificialmente baixas. Eram apenas um aperitivo antes do prato principal: a era das pedaladas fiscais, que subnotificaram despesas, superdimensionaram receitas por meio da triangulação com os bancos federais e Petrobras, transformando dívida em receita.

A lista é tão longa e conhecida que foge do escopo deste artigo. Basta lembrar que as políticas fiscais absolutamente irresponsáveis do período resultaram na mais severa e duradoura recessão da história do país, que fez o PIB contrair mais de 7%, o desemprego dobrar num curto período de tempo (de 6,5% para mais de 13% entre 2014 e o começo de 2017), a dívida pública explodir, e a inflação a levar milhões para a pobreza. As consequências, infelizmente, vieram depois, como de costume, e duram até hoje. No setor
elétrico, por exemplo, as intervenções do governo Dilma para reduzir a tarifa produziram efeito exatamente contrário, de forma que o consumidor brasileiro ainda paga pelos custos das medidas populistas de nove anos atrás.

Convenientemente, o outrora ministro da Fazenda da dupla dinâmica escreve artigo sobre o plano de governo do próximo governo Lula, apagando totalmente dos registros o período do governo petista de 2014 a 2016, como se fossem anos caídos do céu, sem relação com as suas políticas implementadas. E quem poderia imaginar que o governo eleito em 2018 acusando o governo Petista de instaurar o comunismo e implementar políticas econômicas totalmente equivocadas iria começar o último ano de seu mandato recorrendo às piores práticas do governo petista, de um populismo eleitoreiro barato, totalmente irresponsável? No final, são irmãos gêmeos, separados no nascimento. A proposta de eliminar os impostos sobre os combustíveis é um desvario completo, e não resiste a 1 minuto de considerações sobre sua qualidade ou conveniência.

Supondo a eliminação do PIS/COFINS e CIDE sobre todos os combustíveis e energia elétrica, haveria o custo anual da ordem de R$70 bi. Eliminar o IPI custaria outros R$75 bi/ano, e se a farra se estender ao ICMS, mais R$110 bi/ano. No mínimo, estaríamos falando de uma desoneração da ordem de 1% do PIB, e no máximo, de 3% do PIB.

Com a PEC dos Precatórios, Executivo e Congresso decidiram acabar com o ajuste fiscal por meio do controle do aumento de gastos (importante notar que os gastos nunca caíram, apenas cresceram menos). E aumentou-se o gasto em 2022 em algo perto de 1,2% do PIB. Se o ajuste fiscal não pode mais ser feito via gasto, só pode ser feito via arrecadação, e eis que surge essa proposta incompreensível de baixar os impostos em mais de 1% do PIB, sob a chocante justificativa do Ministério da Economia de que há excesso de arrecadação. Um detalhe: estimamos um déficit nominal em 2022 próximo a R$ 730 bilhões, e a proposta elevaria o déficit a pelo menos R$ 800 bilhões.

Com isso, a dívida passa de 80,3% do PIB em 2021 para 85% do PIB em 2022, e seguirá subindo nessa intensidade. Claro que diante dessa dinâmica, a taxa de juros acabará aumentando, numa bola de neve. Outra questão: a redução de impostos irá para os mais pobres? Ou beneficiará os mais ricos? Quem consome gasolina tem que ter no mínimo algum bem que a utilize, como carro ou moto, por exemplo, o que para a realidade brasileira já o distingue da parcela mais pobre da população e a mais carente de algum tipo de ajuda. De cara, pensando na queda apenas do PIS/COFINS, quase 45% dos impostos reduzidos seriam recebidos pelos mais ricos, numa afronta a qualquer decisão racional de destinação de impostos. No Diesel, serviria claramente para acalmar a base eleitoral do
presidente, que dificilmente poderia ser considerada pobre.

Vamos incentivar combustíveis fósseis? Reduzir o custo de combustível fóssil em relação à matriz renovável é uma política do mesmo calibre do incentivo às térmicas a carvão e da política ambiental. Qual a mensagem para a sociedade? De que não existe qualquer problema fiscal no Brasil, que vai tudo muito bem, a dívida pública (uma das maiores entre os países emergentes, senão a maior, e com a taxa de juros mais alta) não é um problema, nem o déficit público de 8% do PIB. Há “excesso de arrecadação”. Traduzindo para a realidade das famílias: imagine que a renda de um domicílio é muito menor do que seu gasto no ano, e a família vem acumulando dívidas crescentes, com taxas de juros cada vez mais altas. Não obstante, os chefes da família falam para os demais moradores da residência que estão com excesso de salário, e que estão pensando em trabalhar 1 dia a menos por semana.

Qual a mensagem para o Congresso? O guardião do cofre abriu a porta, venham com qualquer proposta que tenha algum benefício eleitoral que será contemplada. Que venham as desonerações, a correção da tabela do IR, as pressões por reajustes de salários da elite do funcionalismo público com força política (que estão entre os 0,1% de maior renda do Brasil). A irresponsabilidade fiscal virou a regra. Quando o Presidente quer e o Ministro da Economia autoriza, não será o Congresso a instituição que evitará o abismo fiscal eleitoreiro. Curiosamente, com a volta do juro alto e a volta do investidor estrangeiro na bolsa brasileira, a reação natural do mercado a propostas deste calibre não está ocorrendo. O termômetro quebrou. Com dólar caindo e Bolsa subindo no ano, não há amarras para atitudes ainda mais populistas.

O governo Bolsonaro chega ao fim de maneira praticamente indistinguível do governo Dilma do ponto de vista econômico, bem como o ministro da Economia converge para o ministro da Fazenda que gerou o maior desastre econômico de que se tem registro. De maneira semelhante, é chocante ver o silêncio das associações de classe empresariais sobre essas desonerações.

Infelizmente, não é surpresa, são os mesmos que clamaram pelas intervenções do governo Dilma (fechamento da economia, incentivos, desonerações e redução forçada do custo de energia). Essas associações estão sempre dedicadas a extrair o máximo de benefícios em causa própria, independente das consequências para o restante da sociedade. Todos se mobilizaram fortemente contra a reforma tributária ou redução de gasto tributário e incentivos, mas adoram um populismo fiscal que os contemple.

Convém lembrar que quando o fiscal explodir, todos no barco afundarão. E o que entristece é que quando isso ocorrer, estarão de volta a Brasília a pleitear ajuda para salvá-los da crise!

A Terra é mesmo plana. Oxalá que as pessoas de bem acabem por perceber que este caminho traçado pelo governo será tão desastroso na economia quanto o implementado no governo do PT (no passado e no projeto), com consequências dramáticas sobre a renda real, a pobreza, as oportunidades, a esperança de termos um futuro melhor. Ainda há tempo para barrar essa proposta e de encontrar uma alternativa política viável para o Brasil.

Vicente Nunes