Números não têm ideologia. Nem coloração. Pode-se, sim, lê-los de acordo com a conveniência, mas, com o tempo, a realidade sempre falará mais alto. A recente história econômica do Brasil mostra bem como manipular números custa caro. A presidente da República, Dilma Rousseff, corre o risco de perder o mandato justamente porque maquiou as contas públicas, pedalando dívidas para mostrar uma saúde que as contas públicas não tinham. A contabilidade criativa quebrou o país e hipotecou o futuro. Não há justificativa da petista que a perdoe de todos os pecados que cometeu.
A realidade em números do que tem sido a gestão de Dilma está explícita nas estatísticas do próprio governo. Não foi nenhum crítico da atual administração que colocou as informações lá. Qualquer que seja o dado usado como parâmetro, não há sequer um que não espelhe o desastre que vive o país. Mesmo os indicadores que poderiam dar algum alento estão contaminados pelo estrago provocado pela chefe do Executivo. É o caso das contas externas.
Entre dezembro de 2014 e fevereiro deste ano, o rombo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) desabou de 4,3% para 2,8%. Isso ocorreu, basicamente, por causa da recessão e da alta do dólar, que inibiram as importações. Se o país estivesse crescendo e a desconfiança não tivesse empurrado a moeda americana para cima, o buraco continuaria aumentando, deixando a economia mais vulnerável às tempestades vindas de fora. O ideal seria que o ajuste viesse do incremento das exportações.
Licença para gastar
Nos últimos dias, o governo apresentou sua defesa para tentar derrubar o impeachment de Dilma. Todas as justificativas mostraram uma visão equivocada e desconectada da verdade. A destruição das contas públicas foi deliberada, com um único objetivo: garantir a reeleição da petista. Por ordem do Palácio do Planalto, o Tesouro Nacional gastou o que não tinha. A farra foi tamanha que, ano após ano, o superavit previsto em lei se transformou em deficit.
Em 2014, com os cofres escancarados e as pedaladas fiscais a pleno vapor, o rombo superou os R$ 32 bilhões. Em 2015, foram mais R$ 111 bilhões no vermelho. Neste ano, diante da licença para gastar pedida pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, o buraco será de, no mínimo, R$ 96,6 bilhões. A ordem é usar R$ 120 bilhões como se fossem abatimentos do superavit primário para seduzir aliados a votarem pela continuidade do mandato de Dilma.
O pedido feito ao Congresso por Barbosa revela o quanto o governo não tem apreço pela boa gestão dos recursos que a sociedade recolhe todos os anos aos cofres do Tesouro. O descompromisso atinge níveis alarmantes porque, se o volume de tributos não for suficiente para cobrir todas as despesas, recorre-se ao endividamento. Quando Dilma tomou posse, a dívida bruta correspondia a 52% de todas as riquezas produzidas pelo país. Agora, está em 67% e pode terminar o ano acima de 71%, como prevê a Fazenda — isso, na melhor das hipóteses.
Essa gastança desenfreada produziu o pior imposto que um país pode ter: a inflação. Dilma nunca conseguiu entregar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no centro da meta, de 4,5%, como manda a lei. No ano passado, o custo de vida registrou alta de aproximadamente 11%. A carestia afeta, sobretudo, os mais pobres, pois não têm como se protegerem. A inflação desestruturou a economia de uma tal forma que o desemprego, que já encosta nos 10%, pode saltar para 15%. Estamos falando de uma perspectiva de 15 milhões de desocupados (hoje, são 9,6 milhões). O PIB, que tombou 3,8% em 2015, deve recuar mais 4% neste ano.
Perplexidade
O que deixa o país mais perplexo é o fato de não haver, dentro do governo, pelo menos nos círculos mais próximos de Dilma, uma pessoa que clame por um basta nas aberrações. Mesmo com a petista ameaçada de perder o mandato, o Banco Central expressou o desejo de voltar a emitir títulos, como mostrou o Valor Econômico. Essas operações estão proibidas desde a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000. À época, o objetivo foi pôr fim à relação incestuosa entre BC e Tesouro, cujos custos foram pesadíssimos. A sensação é de que, enquanto não rasgar de vez a LRF, o governo não sossegará.
No discurso, o BC se mostra todo preocupado com a farra fiscal. Em seus documentos, atribui a alta da inflação à gastança do governo. Na prática, porém, a autoridade monetária está fechada com o descalabro da administração de Dilma. Tanto que sempre foi leniente no combate à inflação. Se realmente cumprisse a sua missão básica, a de manter o poder de compra da moeda, não teria se rendido às ordens da petista para reduzir juros apesar da inflação alta.
O BC de Dilma já se movimenta, inclusive, para dar uma mãozinha ao ministro da Fazenda a fim de mudar a contabilidade da dívida pública e, assim, estampar nas estatísticas números mais favoráveis. Está trabalhando para a criação de uma espécie de conta remunerada na qual ficariam os recursos excedentes dos bancos. Hoje, o dinheiro é retirado do mercado por meio de títulos de emissão do Tesouro que estão na carteira da autoridade monetária. As operações representam quase 16% do PIB.
Num país com um governo confiável, a medida seria até aceitável — muitos bancos centrais operam com essas contas remuneradas. Mas numa administração que pedalou dívidas e maquiou contas, é difícil acreditar em boas intenções. As manobras que prevaleceram nos últimos anos foram embaladas por um marketing enganoso. Quando a verdade dos números prevaleceu, descortinou-se um Brasil de joelhos. Já se pagou um preço alto demais pela irresponsabilidade.
Brasília, 06h52min