Uma em cada cinco pessoas que renegociam dívidas volta à inadimplência

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POR HAMILTON FERRARI E HENRICK MENEZES

 

Estar endividado é uma situação desconfortável em qualquer circunstância, mas, em tempos de recessão econômica, o quadro piora, pois, muitas vezes, a renegociação dos débitos não é suficiente para manter o consumidor fora das listas de maus pagadores. De acordo com os dados do Banco Central (BC), uma em cada cinco pessoas inadimplentes vive esse problema e, para piorar, em abril, a taxa média de juros das operações de renegociação atingiu o maior nível da série histórica: 54,67% ao ano. No mês, o calote das dívidas revistas atingiu 17,7%.

 

Pela estatística do BC, que lista apenas pagamentos com mais de 90 dias de atraso, das 59,25 milhões de pessoas que estavam com o nome negativado no país, em maio — segundo o SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) —, 10 milhões não conseguiram sair do vermelho, apesar de terem negociado os débitos.

 

O atendente de lanchonete Josemar Santos, 25 anos, é uma dessas pessoas. Negociou a dívida de R$ 3 mil que tinha de parcelas atrasadas de um imóvel, mas acabou voltando à inadimplência. A família de Santos foi uma das vítimas da crise econômica que abateu o país. “Eu havia renegociado com mensalidades que cabiam no meu orçamento, porém, meu pai, que ajudava no orçamento doméstico, ficou desempregado e, no momento, tenho outras prioridades. É do meu interesse pagar a minha dívida, mas até agora não deu”, afirma.

 

Diretor da DSOP Educação Financeira, Sílvio Bianchi diz que a crise econômica agravou a situação, mas a falta de educação financeira das pessoas foi determinante para esse momento tão complicado. “Muitas tiveram redução dos ganhos e ficaram sem emprego, mas não se organizaram financeiramente de forma preventiva. Não se pode controlar a crise, então, precisamos estar preparados para qualquer surpresa”, ressalta.

 

O desemprego está no patamar mais elevado desde 2012, início da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São 11,4 milhões de brasileiros sem trabalho. O educador financeiro Reinaldo Domingos acredita que é difícil se esquivar da crise. “Devido à alta inflação, as empresas estão demitindo cada vez mais. Portanto, ter uma poupança para futuras eventualidades é uma saída para as famílias não terem surpresas desagradáveis”, diz.

 

Risco da facilidade

 

Por pior que seja a situação, no entanto, especialistas aconselham a não recorrer ao crédito oferecido a negativados (pessoas endividadas que estão na lista de devedores dos órgãos de proteção ao crédito). Os juros cobrados nessas instituições podem chegar a 900% ao ano. A economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, considera essa a pior opção para quem quer solucionar problemas com débitos atrasados. “Não vale a pena sair de uma dívida com juros menores para embarcar em parcelas com taxas maiores apenas pela facilidade. Usar créditos desse gênero só em caso de vida ou morte”, afirma.

 

Essa possibilidade até passou pela cabeça de Josemar, quando viu que não conseguiria honrar com a parcela negociada, mas o atendente de lanchonete comparou os juros anuais das duas instituições financeiras e optou por continuar devendo à atual, e aguardar um momento oportuno para quitar o débito.

 

Outro conselho para quem está endividado é trocar dívidas com taxas mais elevadas pelas com juros mais baixos. Um exemplo disso, segundo Bianchi, da DSOP, é substituir um empréstimo rotativo do cartão de crédito por um crédito consignado. “Os juros do cartão de crédito variam de 450% a 630% ao ano. São altíssimas. Então, o devedor pode conseguir trocar pelo crédito consignado, que hoje tem uma taxa média de 27%”, explica. O empréstimo exige um pagamento das prestações por meio do desconto direto do salário de quem pegou o financiamento.

 

Os especialistas alertam, no entanto, que os endividados só devem negociar débitos ou trocar dívidas caras por mais baratas quando tiverem total conhecimento do próprio orçamento. Durante 30 dias, o devedor precisa identificar todos os centavos gastos. “Aluguel, telefone, cafezinho, gorjeta, lanche, contas, bebidas, aulas e por aí vai. O dinheiro sai do nosso bolso. Às vezes, você pensa que uma quantidade pequena não faz diferença, mas, quando chega ao fim do mês, ela fica bem maior”, destaca Bianchi. Ao final do processo, será possível fazer cortes nos desperdícios e itens supérfluos.

 

Há três anos, a pedagoga Denise Gomes, 27 anos, extrapolou com o uso do cartão de crédito e do cheque especial. Com tantos gastos, ela devia mais de R$ 6 mil para o banco. Mas, com disciplina, conseguiu se reorganizar e liquidar o débito após a renegociação. “Eu tive que me reeducar financeiramente. Comecei a anotar tudo que gastava, tive a dura tarefa de cortar os gastos. Renegociei a dívida em parcelas que cabiam em meu orçamento. Demorou, mas enfim eu me livrei da dívida”, relata.

 

Brasília, 10h10min