UM TIRO NO BC

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A decisão do governo de reduzir a meta fiscal deste ano, de 1,1% para algo entre 0,6% e 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB), medida que deverá ser anunciada hoje, vai bater fundo no Banco Central. Nos últimos meses, a instituição vem ressaltando, em todos os seus documentos, a importância de o setor público trabalhar com um superavit primário consistente para levar a inflação ao centro da meta, de 4,5%, até o fim de 2016. Por superavit consistente, leia-se 1,1% do PIB neste ano e de 2% no próximo.

Há uma grande torcida dentro do governo para que o BC encerre, na próxima semana, o processo de alta da taxa básica de juros (Selic), com mais um aumento de 0,25 ponto percentual, para 14% ao ano. Mas a pergunta que muitos estão se fazendo é como o Comitê de Política Monetária (Copom) poderá dar por encerrado o arrocho nos juros, se um dos pressupostos básicos para a queda da inflação é o cumprimento da meta fiscal que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, prometeu assim que foi nomeado para o cargo.

Mesmo com todo o tecnicismo a que recorre para se expressar, o BC é claro quando trata do assunto: “O Copom reitera que o seu cenário central para a inflação leva em conta a materialização das trajetórias com as quais trabalha para as variáveis fiscais. Considera-se como indicador fiscal o superavit estrutural que deriva das trajetórias de superavit primário de R$ 66,3 bilhões (1,1% do PIB) em 2015 e de 2% do PIB em 2016”. E mais: “O Comitê nota que a geração de superavits primários compatíveis com as hipóteses de trabalho contempladas nas projeções de inflação contribuirá para criar uma percepção positiva sobre o ambiente macroeconômico a médio e a longo prazos”.

Técnicos da equipe econômica que defendem a redução da meta de superavit primário reconhecem que, num primeiro momento, conclui-se que o BC será prejudicado se o setor público economizar menos para pagar juros da dívida. “Mas é preciso ter uma visão mais ampla”, diz um deles. A projeção do BC para a inflação leva em conta superavit de 1,1% do PIB neste ano e de 2% em 2016, mas considera um nível de atividade melhor do que o que está sendo projetado. Enquanto o banco prevê retração do PIB de 1,1% em 2015, o mercado fala em queda de até 2,5%. Há, também, perspectiva de contração da atividade no próximo ano.

Isso quer dizer que, num quadro de recessão mais profunda, um superavit primário menor pode ser tão ou mais contracionista para a atividade do que o previsto inicialmente. Nesse contexto, o BC não seria obrigado a pesar tanto a mão dos juros para compensar o impacto de um ajuste fiscal mais frouxo sobre a inflação. O lado perverso da redução da meta deste ano é que, em 2016 e em 2017, o governo terá que fazer um arrocho nas contas públicas muito maior do que o previsto para evitar a deterioração mais forte dos indicadores fiscais.

Não se pode esquecer de que a dívida bruta já está em 62,5% do PIB e o deficit nominal (que inclui os gastos com juros), em 8%. Quanto menor for o superavit primário, piores serão esses números que vão ser levados em consideração pelas agências de classificação de riscos na hora de decidir se o país merece ou não continuar ostentando o selo de bom pagador (investment grade).

Frustrações

Não é de hoje que a meta fiscal vem pegando o BC de jeito. Nos últimos quatro anos, a autoridade monetária acreditou, piamente, na promessa do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que faria superavits primários consistentes para ajudar no combate à inflação. O que se viu, porém, foi uma gastança desenfreada, com o governo maquiando as contas públicas e recorrendo, sem constrangimento, a pedaladas fiscais que podem custar o mandato da presidente Dilma Rousseff caso o Tribunal de Contas da União (TCU) recomende ao Congresso Nacional a rejeição das contas do governo de 2014.

A confiança do BC em Mantega foi tanta que, mesmo com a inflação encostando no 7%, o Copom reduziu a taxa de juros para 7,25% ao ano, o nível mais baixo da história, decisão que teve de ser revista seis meses depois por ser totalmente insustentável. Teme-se que, agora, a autoridade monetária comandada por Alexandre Tombini venha a colher novas frustrações.

É verdade que não dá para comparar Mantega com Levy, cujo comprometimento com o ajuste fiscal é evidente. Mas o ministro da Fazenda vem perdendo batalhas importantes dentro do governo. Ele defendeu, até o último instante, que não houvesse a redução da meta de superavit primário agora, como forma de reforçar aos investidores e às agências de classificação de risco o comprometimento com a meta de 1,1% do PIB. Mas foi derrotado pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e pela ala política do governo.

Antes mesmo que a derrota fosse sacramentada, Levy tratou de dar justificativas para não ser classificado como perdedor. Para compensar o superavit menor, indicou que o governo fará novos cortes no Orçamento. Foi a forma que encontrou para mostrar que se mantém firme no cargo e que detém amplo apoio da presidente Dilma. Mesmo com a popularidade encostando no chão, ela aprovou redução de despesas.

Levy sabe que está queimando seu capital. Daqui por diante, terá que mostrar mais resultados do que promessas, até porque, num governo Dilma, quase nada do que se fala pode-se levar a sério.

Brasília, 08h45min