UM SUSTO ATRÁS DO OUTRO

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Não há nenhum exagero quando se diz que o Brasil está vivendo um filme de terror. Basta uma olhada mais profunda nas contas públicas para se assustar com os números. São característicos de um país à beira do colapso fiscal. Quando se levam em consideração os gastos com juros, o rombo nas finanças do país chega a 8,12% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos primeiros seis meses do ano, a dívida bruta saltou de 58,9% para 63% do PIB, um aumento médio mensal de 0,5 ponto percentual, elevação que se repetiu em julho, já avisou o Banco Central.

Diante desse retrato aterrorizante, não há como o Brasil escapar da perda do grau de investimentos. Desde que o país começou a fazer ajuste fiscal, em 1997, não se viu uma deterioração tão rápida das contas públicas em tão curto espaço de tempo. Em sua defesa, a equipe econômica alega que os números atuais refletem a limpeza das manobras contábeis que prevaleceram no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. São esqueletos retirados à força do armário. Essa, porém, é apenas uma parte da realidade. O governo continua gastando muito — e mal.

Se voltássemos ao início do governo Dilma, em 2011, nós nos depararíamos com a promessa do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, de zerar o deficit nominal do país quatro anos depois. Naquele período, o buraco nas finanças públicas ainda não despertava tanta preocupação. Estava em 2,6% do PIB, patamar administrável para uma economia com um histórico de gastadora contumaz. Agora, sabe-se que Mantega estava mentido e que ele deixou uma herança maldita que fez o rombo nas contas do governo triplicar.

O atual ministro da Fazenda, Joaquim Levy, assumiu prometendo arrumar a casa. E rápido. Mas, como ressalta a economista Natália Cotarelli, do Banco ABC Brasil, Levy se preocupou muito mais em fazer o ajuste por meio do aumento de receitas — mais impostos — do que pelo corte de gastos, o mais recomendável. O problema é que muitas das medidas que o ministro propôs depende do aval do Congresso. E mesmo que elas venham a ser aprovadas, o que os especialistas consideram muito difícil, diante da fragilidade da base aliada de Dilma, o superavit primário (economia para o pagamento de juros) será, na melhor das hipóteses, de apenas 0,15% do PIB.

Natália chama ainda a atenção para o círculo vicioso que se criou na questão fiscal. Para combater a inflação, o Banco Central vem aumentando os juros — a taxa Selic está em14,25% ao ano. Esse movimento, porém, aumenta as despesas do Tesouro Nacional, que é obrigado a emitir mais títulos, elevando a dívida pública. O ideal seria que o governo estivesse fazendo superavits primários maiores para conter o impacto provocado pelo BC, mas o que se vê é exatamente o contrário. Por isso, o espanto provocado pelas contas.

Desastre

O filme de terror vai além das finanças do governo. Na próxima terça-feira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrará o comportamento desastroso da indústria. Se os cálculos do economista-chefe do Banco Santander, Maurício Molan, estiverem corretos, a produção das fábricas registrou, em junho, contração de 0,9% ante maio e de 5,4% em relação ao mesmo período de 2014. Esse resultado decepcionante foi puxado pelo setor automotivo, que encolheu 15,4% na comparação de junho de 2105 com o mesmo mês do ano passado.

Diante do desempenho da indústria, que, segundo Molan, tombou 2,4% no segundo trimestre do ano frente o primeiro, o PIB de abril a junho foi ao fundo de poço. Nas contas de Luciano Rostagno, economista-chefe do Mizuho Bank, a retração do Produto pode ter chegado a 1,5%, taxa que, anualizada, atinge 6%, um tombo espetacular que vai manchar ainda mais a imagem do governo — se isso for possível.

Como epílogo da fita assustadora, o país vai se deparar, na sexta-feira, com a inflação de julho. A expectativa é de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) tenha ficado em 0,62%, taxa elevada demais para o mês, quando costuma ficar bem próxima de zero. Com isso, a carestia acumulada em 12 meses baterá em 9,56%, nível sem precedentes desde 2003. A carestia foi puxada pelos alimentos e pelos preços administrados, como os da energia elétrica e da telefonia fixa.

Não custa lembrar que tantos números ruins vão coincidir com o fim do recesso do Congresso. A presidente Dilma tentou, nos últimos dias, criar um clima mais positivo com parlamentares ao se aproximar dos governadores. Mas quem conhece a fundo a dinâmica da Câmara e do Senado avisa: a petista viverá um inferno. Com as investigações da Lava-Jato chegando mais perto dos políticos, não haverá trégua em relação ao Palácio do Planalto. A guerra está declarada.

Assistindo de camarote

» Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, não quer saber da disputa declarada por poder entre os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa. Tombini comentou com amigos que já tem problemas demais para resolver.

Faca nos dentes

» As equipes de Levy e de Barbosa estão com a faca nos dentes, como se diz na linguagem popular, prontas para o confronto. No fim da tarde de quinta-feira, quando a Fazenda e o Planejamento divulgaram números divergentes sobre o corte do Orçamento, ouviram-se impropérios dos dois lados.

Brasília, 00h10min

Vicente Nunes