UM PAÍS DE RESSACA

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>> DIEGO AMORIM

De gole em gole, o Brasil se embriaga e se afunda em uma ressaca que tem durado mais do que a manhã de segunda-feira. Por ano, com base em estatísticas oficiais e pesquisas científicas, estima-se que o país perca, por ano, 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em decorrência de problemas relacionados ao álcool. Considerando o PIB de R$ 5,1 trilhões, o custo social do uso abusivo de bebida alcoólica atingiu, em 2014, algo como R$ 372 bilhões.

Os prejuízos para a economia são gritantes. Começam por acidentes de trânsito provocados por motoristas bêbados, que tiram a vida de milhares de brasileiros em plena idade produtiva, e passam por tratamentos caríssimos bancados com recursos públicos do Sistema Único de Saúde (SUS). Incluem ainda gastos estratosféricos com convênios médicos privados, despesas inesperadas que destroem o orçamento de famílias, desemprego, afastamento do trabalho custeado pela Previdência Social, baixa eficiência das empresas e tantos outros silenciosos sintomas.

O Correio publica, a partir de hoje, uma série de matérias mostrando como o álcool, facilmente associado a celebrações, é responsável por tristes histórias capazes de travar o desenvolvimento do país. “Vivemos uma guerra química que inutiliza boa parte da nossa mão de obra, independentemente da idade. Jovens e velhos, o álcool destrói sem piedade”, diz, angustiado, o psiquiatra da rede pública de saúde do Distrito Federal Erin Hunter, 72 anos.

Nos últimos quatro anos, o SUS contabilizou 313 mil internações por alcoolismo, ao custo anual de R$ 249,3 milhões. Dos tratamentos em clínica geral, 20% são provocados pelo uso abusivo do álcool. Não é só: 50% dos atendimentos masculinos psiquiátricos têm ligações com o excesso de bebida. “O país tem de se empenhar para alcançar, nessa área, o mesmo êxito da luta contra o tabagismo”, convoca a diretora de Vigilância e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, Deborah Malta.

Afastamento

O número de auxílios-doença por alcoolismo lidera o ranking dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) atrelados ao uso de drogas. Representa quase um terço do total de afastamentos do trabalho. De janeiro de 2009 a agosto de 2014, foram autorizados 75.139 auxílios para trabalhadores com dependência do álcool comprovada por perícia médica. No período, os gastos com as concessões encostaram nos R$ 40 milhões. “É necessário que a bebida alcoólica seja menos incentivada. Há uma falsa ideia de que ela faz todo mundo se dar bem na vida”, comenta o diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do INSS, Marco Antônio Gomes Pérez.

O alcoolismo atinge pelo menos 15% da população brasileira. É considerado uma doença incurável, embora possa ser controlada. No mundo, mata cerca de 3,3 milhões de pessoas por ano, mais do que a Aids, a violência e a tuberculose, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). No entender do secretário adjunto da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça, Luiz Guilherme Mendes de Paiva, o Brasil precisa, com urgência, mudar a percepção cultural em relação ao álcool. “Estamos diante de um grave problema social e econômico negligenciado pela ampla aceitação da sociedade”, sustenta.

A conta do alcoolismo é extensa. Quem bebe demais triplica as chances de recorrer a licenças médicas, aumenta em cinco vezes os riscos de acidentes de trabalho e em oito vezes a utilização de diárias hospitalares. Além disso, leva famílias a recorrerem três vezes mais às assistências médica e social. Não à toa, os prejuízos do álcool para o país superam e muito os bilhões movimentados pela poderosa indústria de bebidas.

Seriedade

Para amenizar o baque do uso exagerado do álcool e suas consequências irreversíveis, o Brasil terá de encarar a situação com a seriedade exigida, defende o psiquiatra Leonardo Moreira, com 15 anos de experiência. “O beber, cair e levantar pode ser engraçado, mas provoca muitos estragos, e todos sabem disso”, sublinha.

O brasileiro consome, em média, 68,3 litros de álcool por ano — quantidade que tem crescido em ritmo mais acelerado entre as mulheres. Um quarto da população bebe uma vez ou mais na semana, indicam os levantamentos mais recentes. No caso dos homens, essa frequência aumenta. “A fase de lua de mel com a bebida acabou faz tempo para muitos que caíram no fundo do poço sem perceber”, alerta o presidente da Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad), o psiquiatra Jorge Jaber.

Como no combate a qualquer outra droga, antecipar-se aos malefícios do álcool se apresenta como uma saída mais eficaz. A cada US$ 1 investido em prevenção, apontam pesquisas mundiais, é possível economizar US$ 10 desembolsados com os prejuízos do alcoolismo. “Ninguém quer proibir o álcool, mas, sim, deixar mais claro os efeitos do uso nocivo dele”, pondera a psiquiatra Carolina Hanna, pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea) e do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).

Brasília, 19h55

Vicente Nunes