Um país em busca do crescimento

Publicado em Economia

POR PAULO SILVA PINTO

 

Quando o carro perde a tração e começa a descer a ladeira de ré, é preciso conseguir primeiro pará-lo, e então tentar andar para frente, recuperando o trajeto perdido. O Brasil chegou finalmente a esse ponto de inflexão, o que já é alguma coisa. Estamos saindo de uma recessão que, desde os últimos meses de 2014, aniquilou pouco mais de 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi o maior recuo da nossa história.

 

Analistas estimam que o último resultado negativo possivelmente terá sido o do segundo trimestre deste ano, apresentado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na semana passada: queda de 0,6% em relação ao período anterior e de 3,8% na comparação anual. A variação do intervalo em que nos encontramos, entre julho e setembro, tende a ser próxima de zero, de acordo com os indicadores antecedentes que vêm sendo observados por analistas. E a dos três últimos meses do ano deve ser positiva.

 

“Estamos entrando em um novo ciclo de crescimento, mas apenas moderado”, avisa o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno. Grande parte do ganho de produção será a recuperação do que o país perdeu. Quer dizer, subir a ladeira e chegar até o início da derrapada. Não é pouca coisa, porém. Há bem pouco tempo, nem sequer isso parecia estar garantido para o Brasil. “As empresas passaram por ajustes muito fortes, reduzindo estoques e pessoal, renegociando contratos. Muitas entraram em recuperação judicial. Se vier outro choque, não aguentam”, alerta Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

 

Ela acha que não há sinais de grande preocupação no cenário externo, embora as chances de piora nunca possam ser descartadas. No ambiente doméstico, os riscos caíram muito com a conclusão do processo de impeachment da agora ex-presidente Dilma Rousseff. “Se ela voltasse ao poder, seria um choque para as empresas”, atesta Zeina.

 

É uma constatação desapaixonada, com base na frieza dos números, e consensual entre os analistas. Assim que Dilma saiu, o risco associado à dívida do governo e das empresas brasileiras no mercado externo despencou, o dólar também foi para baixo, e os índices de confiança de empresários e consumidores começaram a melhorar. “Nos últimos anos, criaram-se problemas estruturais com intervencionismo econômico”, analisa Rostagno.

 

Erros

 

Os erros já foram comentados à exaustão, e incluem o excesso de subsídios para algumas empresas na tentativa de criar os “campeões nacionais”. A Petrobras e outras estatais foram obrigadas a comprar equipamentos de empresas nacionais e bancos estatais direcionaram um volume imenso de crédito subsidiado, o equivalente a duas décadas do gasto com o Bolsa Família. Além disso, a estatal de petróleo teve de vender combustível abaixo do preço de custo para evitar a alta da inflação, que, mesmo assim, disparou devido ao descontrole dos gastos públicos e à política monetária frouxa.

 

Para o próximo ano, o governo conta com elevação do PIB de 1,6%. Em 2018, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse na sexta-feira, em Xangai, na China, que a economia brasileira poderá avançar 2,5%. São expectativas ainda ousadas, na avaliação dos analistas. O crescimento potencial do nosso PIB, pelas contas de Rostagno, não passa atualmente de 0,7%.

 

Isso quer dizer que o país não consegue crescer de forma sustentada por vários anos a uma taxa superior a essa sem gerar desequilíbrios, como inflação alta. Para conseguir mais do que isso, é preciso aprovação de reformas, sobretudo a proposta de emenda constitucional que limita a variação do total de gastos públicos à inflação do ano anterior e à mudança das regras para a aposentadoria.

 

Expectativa

 

“Por enquanto, o que temos é expectativa de crescimento econômico. Para que as condições sejam de fato dadas, é preciso que essas reformas sejam aprovadas”, diz Paulo Miguel, economista-chefe e sócio da GPS, gestora de investimentos do banco Julios Baer. Mas ele acha que, se de fato as reformas forem aprovadas, o crescimento virá forte, acima até das atuais expectativas do governo. “Ficará mais perto de 2% do que de 1,6%”. Na avaliação dele, estão dadas as condições para que, vencidos os problemas fiscais, a economia se destrave.

 

Os juros poderão baixar ainda neste ano, conforme já sinalizou o BC no comunicado da semana passada após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Na avaliação de Miguel, isso ocorrerá se a PEC dos gastos for aprovada ao menos em primeiro turno até o fim do ano. “Com a redução dos juros, há um encadeamento de situações positivas: o custo dos empréstimos cai, os consumidores ficam com menos medo de perder o emprego e começam a comprar produtos duráveis que desejam, mas deixam de levar para casa por medo de ficar sem dinheiro no futuro para coisas essenciais”, diz.

 

Para o ex-diretor do Banco Central (BC) Carlos Thadeu de Freitas Gomes, a recuperação nos próximos meses é garantida. A dúvida é quando. “Vamos ver se o governo será ótimo ou apenas bom”, afirma ele, que é chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC). “O país não está quebrado em dólares, como já esteve no passado. Tem expectativa de dificuldade de pagar os compromissos em reais, mas isso não vai acontecer amanhã. E a gente espera que não aconteça caso se consiga equilibrar as contas públicas”, explica.

 

As dificuldades que o país atravessa, percebidas pela população e pelos parlamentares, são um combustível para aprovação de reformas, avisam vários analistas. Portanto, caso a situação do país comece a melhorar muito rapidamente, pode ficar mais difícil garantir mudanças estruturais. “O governo tem clareza de que pode ser vítima do próprio sucesso na recuperação econômica. Seria o tiro pela culatra”, nota o economista Evandro Buccini, da Rio Bravo Investimentos.

 

Mesmo que se consigam aprovar o conjunto mais urgente de reformas — as PECs dos gastos e da Previdência —, será preciso fazer mais para levar o país a outro patamar de crescimento, que permita elevar o PIB de forma sustentável em mais do que 2,5% anuais, como previu Meirelles. “Caso tenhamos sucesso na atual etapa, vão surgir novos problemas, decorrentes de nossas falhas estruturais, e será preciso fazer outras reformas”, afirma Miguel, da GPS.

 

Falta de quadros

 

Embora as perspectivas de crescimento sejam favoráveis, as empresas brasileiras vão encontrar um obstáculo nada trivial: a falta de executivos competentes para liderar esse processo, alerta o especialista em recursos humanos Marco Dalpozzo, da consultoria Comatrix. Uma das razões para isso, ele explica, tem a ver com o processo político e jurídico que o país atravessa: a perda de quadros com as condenações em processo de corrupção. Outra, ele nota, é econômica mesmo: com a recessão, faltaram investimentos das empresas na formação de líderes.