“Trump sabe que eu existo”, diz Bolsonaro

Publicado em Economia

LEONARDO CAVALCANTI

A frase acima é do deputado e pré-candidato ao Palácio do Planalto Jair Bolsonaro durante entrevista ao CB.Poder, uma parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília, em fevereiro de 2017. Antes, o político falou durante quase duas horas com a equipe do impresso, em novembro de 2015; voltou a responder perguntas na televisão em maio deste ano; e, há duas semanas, participou de uma sabatina promovida pelo jornal com 11 presidenciáveis.

 

Assim, é uma meia verdade dizer que o parlamentar foge de questões, mesmo que ele selecione debates e, tente, de maneira estratégica, se resguardar, pois, em todas as vezes que decidiu abrir a boca, Bolsonaro deixou exposto o que é: um político binário, que assusta menos pela agressividade no discurso e mais pela falta de ideias. E aqui vamos às citações do deputado brasileiro ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

 

Entre outras frases desconexas, amarradas por um sorriso duvidoso, Bolsonaro disse ser “100% favorável à política migratória dos EUA”. Logo depois, como num regozijo, afirmou que Trump sabe que ele existe. Ali, a frase era um misto de puxa-saquismo e vaidade infantil. Aí eu vi vantagem, doutor. “É muito simples a gente falar da casa dos outros, vá para Roraima ver a invasão de venezuelanos, fugindo da ditadura e da fome, tornou um inferno a vida do roraimense”, disse, para continuar: “Vá em São Paulo e veja a quantidade de haitianos. Aqui não pode ser casa da mãe joana, onde entra todo mundo”.

 

Há alguma dúvida que esse país, o Brasil, é fruto de uma junção de nações de imigrantes, inclusive de norte-americanos? Há alguma dúvida que quem deixa familiares e busca uma nova vida é um povo disposto a trabalhar, criar os filhos e construir bases culturais, sociais e econômicas, passando por todos os perrengues em terras estrangeiras? Bolsonaro falou outras coisas, mas deixemos para depois, afinal temos mais de 100 dias até as eleições. E as declarações estão documentadas. Teremos novos capítulos, quer ele fale ou não fale, pois.

 

Covardia

 

Se as declarações de Bolsonaro sobre os EUA, na época, já eram estapafúrdias, imagine depois das imagens de crianças separadas dos pais pela política migratória de Donald Trump. Como se sabe, a política migratória norte-americana (é do país, por que não?) decidiu separar pais dos filhos, deixando um sem-número de imagens e sons de crianças gritando os nomes de pais e mães. Não precisa dizer o mal que tal decisão pode causar para qualquer indivíduo ao longo da vida. A covardia é a marca de políticos como Trump.

 

Na estratégia do presidente norte-americano, a decisão parecia acertada, pois a maioria dos republicanos da América profunda defende políticas mais agressivas contra imigrantes (já falamos sobre covardes, sim?). Trump não busca os votos dos democratas, para ele a divisão dos Estados Unidos não é nada mal, pois ainda assim é capaz de se reeleger. Atacar imigrantes latinos o faz perder votos com norte-americanos originários de países com gente atingida pela ação, mas ele nunca contou com esse grupo mesmo. Na lógica dele, é preciso reforçar os laços e as ideias com o eleitor republicano — ou pelo menos capaz de votar em Trump.

 

Mas é preciso observar que sandices e covardias têm limites. Apesar de a política de imigração — e todos os processos criminais — continuar, Trump se viu obrigado a recuar em relação à separação de pais e filhos. O presidente não mudou uma linha sobre as detenções, mas decidiu evitar, a partir de agora, as imagens de crianças — inclusive brasileiras — chorando. A separação, é bom lembrar, ocorria porque não era permitido manter menores em centros de detenção por mais de 20 dias, tempo menor do que os prazos para pedidos de repatriamento ou asilo serem avaliados.

 

Ao defender a política de imigração de Trump, Bolsonaro deve responder por toda essa covardia, incluindo aí crianças brasileiras que ficaram separadas dos pais. Estatísticas mostram que pelo menos 49 meninos e meninas brasileiros foram separados dos pais que tentaram entrar ilegalmente nos EUA, a partir da fronteira do México. Mais uma vez: o problema do ex-militar Bolsonaro não está nos gestos e palavras explosivas, até porque ele seleciona alvos — geralmente os mais frágeis, e acaba ridicularizado. O que assusta mesmo é a falta de discurso coerente para um homem que tenta ser presidente da República. Até que ponto ele se leva a sério, não se sabe.

 

Brasília, 14h15min